EntrevistaO Brasil ainda não chegou ao patamar necessário de sustentabilidade por causa da incapacidade de sua sociedade e do poder público de trabalhar o país como um todo. Ao mesmo tempo, é necessário se chegar a um consenso entre produtores e defensores do meio ambiente. Esta é a avaliação do coordenador de Meio Ambiente da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) no Brasil, Celso Schenkel, que foi palestrante no 2.º Seminário de Difusão Científica da Fundação da Universidade Federal do Paraná (Funpar), na semana passada, em Curitiba.
Na avaliação de Schenkel, fóruns como o realizado na capital paranaense representam o caminho para que setor produtivo, governo e sociedade civil cheguem a um consenso em relação à preservação do meio ambiente. Nessa entrevista à Gazeta do Povo, Schenkel fala sobre as mudanças no Código Florestal e os papéis do Estado, da sociedade e das organizações não-governamentais na construção de um modelo de desenvolvimento sustentável.
Como fazer o desenvolvimento econômico e o meio ambiente andarem de mãos dadas?
Não é muito fácil, mas é bem possível porque hoje em dia existe muito mais racionalidade nas relações de cooperação entre setores produtivos e setores que se ocupam mais da preservação, da conservação e do uso sustentável. Acho que todos têm suas razões e seus direitos, mas é preciso chegar a um consenso e diminuir o embate. Precisamos debater, de forma mais informativa e mais consistente. Existe muita desinformação, muitas acusações infundadas e um exagero das partes, com excesso de zelo na defesa de seus interesses. Essas atitudes tendem a se tornar mais sem importância, porque nós precisamos chegar rapidamente a um consenso sobre o peso da conservação, do uso sustentável e do desenvolvimento com responsabilidade social e respeito ao meio ambiente. Hoje em dia a cooperação em busca do desenvolvimento sustentável não pode nunca ser excludente. Você não pode dizer que alguém é contra isso ou aquilo e tirá-lo da mesa de negociação. Esse tipo de fórum, que conta com a universidade, que é uma geradora de conhecimento, com a iniciativa privada e com as organizações não governamentais, é perfeito para esse tipo de discussão. Se não sentarmos para negociar, não teremos condições de buscar o caminho da sustentabilidade econômica, social e ambiental.
Diante desse cenário, qual o grande desafio do Brasil?
O fato de o Brasil ainda não ter atingido o patamar necessário de sustentabilidade se deve à incapacidade da sociedade brasileira e do Estado de trabalhar com o país como um todo. O país é megadiverso, em diferentes aspectos: ideológicos, sociais, institucionais. Acho que o grande desafio do país é fazer a disseminação e a aplicação da legislação ambiental, que hoje é muito sólida, e fazer com que as pessoas compreendam o que ela representa.
Como fazer isso acontecer?
Mudar a linguagem para atingir de forma mais ampla a sociedade. O setor ambientalista muitas vezes erra no discurso e assusta os demais setores. Eu destaquei o debate em torno da reformulação do Código Florestal na minha fala porque é um embate que não interessa a ninguém. Todo mundo sai perdendo nessa história. O Código Florestal do ponto de vista conceitual é muito sólido, mas ele é antigo e precisa ser atualizado, sem dúvida. Mas não vamos usar a necessidade de atualização do código para tirar tudo o que ele tem de bom. Nós temos que adicionar outras coisas, mas não tirar o que é bom simplesmente porque fere interesses setoriais. O pessoal diz que não pode plantar em encosta de morro, por exemplo. Eu sou gaúcho e vejo parreira, plantação de uva nas encostas da serra do Rio Grande do Sul desde que sou criança, então para que mexer nisso? O negócio é não avançar em outras áreas, mas nas áreas onde a situação já existe é preciso dar um tratamento especial. Não tem como, de uma hora para outra, dizer "agora é proibido, vamos arrancar tudo e multar todo mundo". Existe a necessidade de estabelecer novos códigos de convivência, que precisam ser difundidos de forma clara, sem acirrar o conflito.
O fato de o Brasil ter participado como um líder dos países megadiversos contribuiu de que forma para a questão da preservação ambiental no país?
O Brasil nos últimos dez anos foi o que mais criou áreas protegidas no mundo, dando uma demonstração de que aceita e promove as recomendações da convenção da biodiversidade. Por outro lado, busca parceiros para essa ação e isso envolve setores e interesses econômicos de várias naturezas, quando se fala de química fina, novos alimentos, novos materiais, transgênicos. O Brasil precisa de aliados de peso na comunidade internacional para fazer com que sua condição de país megadiverso seja reconhecida e o patrimônio do país seja valorizado pelos nossos conhecimentos tradicionais. Acho que o país se coloca muito bem na questão da redução de desmatamento, que tem a função dupla de diminuir o desmatamento, diminuir a poluição e garantir a sua biodiversidade. O Brasil não pode tratar das questões ambientais de forma segmentada e é isso que o país procura fazer nas suas posições internacionais.
Qual o papel do terceiro setor na preservação do meio ambiente?
O terceiro setor tem que ser muito pragmático. Tem muito espaço para ser ocupado. Não quero dizer que o terceiro setor tenha que ocupar o lugar do estado mas há uma mudança, uma reorientação e um reposicionamento das organizações do terceiro setor que deve se consolidar muito depois das Conferências de Biodiversiade e de Mudanças Climáticas. Está ocorrendo uma evolução dos novos mecanismos sociais que se criaram para fazer frente a problemas que o Estado não pode resolver sozinho e a iniciativa privada também não. O terceiro setor cresceu muito nos últimos 20 anos. Houve a proliferação de muitas organizações que não apresentaram resultados que podem justificar o investimento no terceiro setor porque o apoio às políticas públicas e econômicas não trouxe consequências. Mas está ocorrendo um reordenamento das grandes forças que conduzem a sociedade. Teremos uma redução drástica de entidades e uma melhora expressiva na atuação dessas entidades como um todo, uma atuação mais profissional e mais focada nas reais necessidades da sociedade.
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