Um simples ofício foi capaz de trazer à tona uma batalha há muito travada entre ruralistas e ambientalistas. A Federação da Agricultura do Estado do Paraná (Faep) pediu à Secretaria Estadual de Meio Ambiente para que seja autorizado o corte de árvores de áreas nativas com Mata de Araucária. Atualmente só é liberada a retirada de pinheiros que tenham sido plantados ou de algumas árvores isoladas que sejam perigosas (estejam na iminência de cair ou de interferir em cabos de energia elétrica), estejam inviabilizando o uso do terreno ou sejam necessárias para a construção da única residência da propriedade.
Faep alega que proibição não tem base científica
A Gazeta do Povo procurou a Federação da Agricultura do Estado do Paraná (Faep), que disponibilizou técnicos para dar entrevista sobre o assunto, mas eles não atenderam às ligações da reportagem. No documento, a entidade afirma que a proposta é baseada em argumentos de instituições de pesquisa florestal do Paraná. A Faep alega que não há estudo técnico científico que sustente as legislações proibitivas. E que critérios técnicos, cientificamente embasados, que garantam a sustentabilidade da exploração e a conservação genética das populações exploráveis, não foram estabelecidos depois de tantos anos da legislação.
O documento assinado pelo presidente da Faep, Ágide Meneguette, alega que a legislação vigente, “ao contrário do esperado pelo governo, auxilia na extinção da referida espécie”. Dentre as sugestões da pesquisa destaca-se “o retorno da prática do manejo florestal, que permite a retirada das árvores mais velhas em troca do crescimento das mais jovens, através da fotossíntese pela presença do sol na floresta”. A entidade também quer o cultivo consorciado de espécies nativas (ou de regeneração natural) com espécies exóticas. (KB)
Os produtores rurais afirmam que a proibição de corte de araucárias transformou a espécie em uma árvore maldita, que é arrancada assim que brota, e que seria possível o manejo controlado, com retiradas estratégicas. Já os ambientalistas destacam que a espécie já está ameaçada ao extremo, com perdas genéticas, e que liberar o corte abriria uma brecha para que mais derrubadas ilegais aconteçam. Os dois lados do fronte só concordam em um aspecto: não há uma política governamental eficiente para recuperar a espécie.
Clóvis Borges, diretor-executivo da Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem (SPVS), considera que a liberação do manejo pode significar a extinção definitiva da Mata de Araucária – tipo de formação vegetal que foi reduzida a apenas 0,8% da área original, segundo os dados mais recentes, de 2001, e que consideram apenas os remanescentes intocados. “O restante ou foi destruído ou virou soja”, diz.
Para o ambientalista, a intenção do pedido da Faep tem viés econômico e nenhum objetivo de preservação. “Não há condição moral de admitir que se mexa em mais nada. Seria raspar o fundo do tacho”, avalia. Clóvis alega que o extrativismo madeireiro de espécies nativas é uma atividade do século retrasado.
Ele ainda afirma que não faz sentido revogar as proibições com o argumento de que a medida não foi suficiente para proteger a espécie ameaçada de extinção. “Proibições fazem parte da vida em sociedade. E esta já foi, em parte, assimilada. Seria um retrocesso revogar”, comenta. Ele concorda, contudo, que apenas restringir o corte não é o bastante para que a Mata de Araucária deixe de ser dizimada. “São necessárias políticas de incentivo para os donos de áreas preservadas”, diz.
Manejo é controverso
Nem mesmo entre os agrônomos e engenheiros florestais há consenso sobre o manejo de áreas nativas de araucária. Para Marc Dourojeanni, que foi chefe do setor florestal do Peru por nove anos e atualmente mora em Florianópolis, mexer nos remanescentes do pinheiro-do-Paraná é, no mínimo, temerário. “Está num nível tão baixo que não tem a possibilidade de manejo comercial”, afirma. Ele alega que se houvesse vastidão de Mata de Araucária não se oporia ao corte sistemático.
Segundo o engenheiro florestal, seria necessário que houvesse ao menos 30% de áreas ainda conservadas para permitir o manejo comercial. Como restariam menos de 3% do original –considerando diversos estágios de conservação –, autorizar qualquer retirada seria condenar a espécie, seja em números absolutos ou mesmo pela perda de variabilidade genética. “Não consigo entender como alguém consegue propor fazer manejo com essa proporção.” Dourojeanni, que foi professor de manejo florestal por 40 anos, defende que sejam estimulados reflorestamentos com araucária, além da preservação das áreas nativas.
Para Sergio Gaiad, chefe-adjunto de Pesquisa e Desenvolvimento da Embrapa Florestas, a exploração da Mata de Araucária é possível se forem avaliadas, com base em indicadores e critérios, as condições ou não de corte em cada área. “E se estudos mostrarem que eu posso tirar uma árvore por hectare?”, questiona. O pesquisador reforça que o manejo é essencial em áreas que estão em recuperação e que o inventário florestal, que está em andamento, deve dimensionar a quantidade de áreas com araucária.
Gaiad argumenta que o discurso de proibição não ajudou a preservar a espécie e que, de maneira geral, o documento proposto pela Faep tem vários aspectos positivos. Para ele, a fiscalização para impedir os cortes é deficiente e não há segurança jurídica para o produtor rural que deseja investir em araucárias.
Governo prepara decreto para mudar regras do jogo
Há mais de um ano estão sendo discutidas, dentro do governo estadual, possibilidades de mudanças nas regras de manejo de Mata de Araucária. O grupo de trabalho, que integra a Câmara de Biodiversidade, ouviu pesquisadores e todos os lados envolvidos para decidir os rumos que devem ser tomados. Em novembro, a equipe deve concluir o texto do estudo. Depois a proposta deve passar por avaliação jurídica. O secretário estadual de Meio Ambiente, Ricardo Soavinski, estima que novas regras passarão a vigorar em 2016. Ele não detalha quais devem ser as mudanças porque espera a definição do grupo de trabalho.
Sobre o pedido feito pela Faep, o secretário destacou que o caso já estava sendo analisado pelo grupo de trabalho. Ele afirma que a equipe visa ao bom uso e à conservação da natureza. “O manejo bem feito deve ajudar na conservação e vice-versa”, diz. Soavinski destaca que é necessário proteger algumas áreas sem permitir o uso, mas defende que, com controle e monitoramento, a realização de atividades econômicas em espaços florestais nativos poderia ser bem-vinda. Uma das políticas que devem resultar do grupo de trabalho é o estímulo ao plantio de pinheiros, principalmente consorciado com outras espécies.
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