Imagine um professor que antes de sair para dar aulas checa as condições do mar naquela manhã e dá uma espiada no noticiário em busca de alguma mudança repentina nos acampamentos de sem-terra. Preocupação estranha ao mundo escolar? Nem tanto. Para um grupo de docentes que trabalha em comunidades localizadas nos confins do estado, mais especificamente em ilhas da baía de Paranaguá e em acampamentos mantidos pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-terra (MST).
O programa que leva o professor aonde o aluno está é da Secretaria de Estado da Educação e nasceu de olho numa minoria escondida. O Departamento de Ensino Fundamental fez um diagnóstico: 98% das crianças entre 7 e 14 anos do estado freqüentavam as salas de aula; 2% não estavam estudando. O estudo mostrou que boa parte dos ausentes estava nas ilhas e nos agrupamentos de agricultores sem-terra. O deslocamento dos professores livra os alunos de travessias em pequenos barcos e de jornadas de mais de 15 quilômetros para chegar à escola motivos que literalmente afastavam os pequenos da sala de aula.
"Queremos que a educação chegue a todas as crianças do Paraná, não importa onde elas estejam. Pensamos no direito constitucional de que a criança deve receber a educação no local onde ela reside", diz a chefe do Departamento de Ensino Fundamental da secretaria, Fátima Yokohama. O projeto foi implementado há pouco mais de um ano nas ilhas e está presente em nove dos 60 acampamentos sem-terra no estado.
Diariamente, professores de Paranaguá enfrentam o mar para chegar até as ilhas de Piaçaguera, do Mel, Rasa, das Peças e Superagüi e dar aulas de 5.ª a 8.ª série a 255 crianças que vivem na região. Até o ano passado quem pretendia continuar os estudos após a conclusão da 4.ª série do ensino fundamental precisava fazer o caminho inverso e ir até Paranaguá. O ensino multisseriado de 1.ª a 4.ª série já existia nas escolas municipais rurais dessas ilhas. "A maioria acabava desistindo e não completava os estudos", afirma a coordenadora das escolas das ilhas, Regina Helena Batista Ferreira. Os professores contratados pelo estado aproveitam a estrutura das escolas municipais rurais e instalam as salas de aula. O aproveitamento da estrutura é feito por meio de uma parceria estabelecida entre o estado e o município. O estado também é responsável em fornecer material didático e merenda escolar. De acordo com Regina, a experiência tem dado tão certo que ela recebe constantemente pedidos de outras comunidades para a instalação das escolas. Ao todo são 25 comunidades que vivem nos ilhéus de Paranaguá.
Já o funcionamento das escolas nos acampamentos sem-terra é possível graças a parcerias realizadas com os municípios próximos a esses locais e graças também ao envolvimento da comunidade. Nos acampamentos do MST onde funcionam as escolas itinerantes, o estado é responsável pela contratação dos professores, fornecimento de material didático, merenda escolar e documentação legal dos alunos. As comunidades dos acampamentos entram com a estrutura física da escola. "Como não podemos construir naqueles locais às vezes fornecemos lonas e carteiras", diz o coordenador das escolas itinerantes, Antenor Martins de Lima Filho.
Os municípios vizinhos aos acampamentos entram com a contratação dos professores de 1.ª a 4.ª série e com a emissão da documentação para os estudantes. O estado também identifica e capacita os acampados que possuem ensino médio e os transforma em educadores. "Hoje aproximadamente 2,5 mil alunos são atendidos graças a estas parcerias", diz Lima Filho.
Caso os acampados do MST sejam obrigados a, por exemplo, cumprir decisões judiciais de reintegração de posse e a levantar acampamento, as escolas vão atrás e passam a funcionar na área onde for instalado outro acampamento. Isso já ocorreu quando os alunos que hoje vivem no acampamento 1º. Agosto, em Cascavel, precisaram deixar as terras que ocupavam. De acordo com Lima Filho, a desocupação ocorreu bem no dia em que os alunos teriam aula de redação, em que iriam produzir textos para participar de um concurso que estava sendo promovido pela prefeitura da cidade. "Os professores, no entanto, julgaram importante manter a aula e ela aconteceu debaixo de uma árvore", lembra ele. O prêmio foi para um dos alunos "sem-terrinha" que descreveu sua experiência. "Isso mostra também como o acampado tem condições de ensinar. Morar num acampamento não lhe tira a competência."