2,1 mil escolas ficarão sem aulas, afetando os 950 mil alunos matriculados na rede. Mais de 5 mil professores participaram da assembleia geral da APP-Sindicato em Guarapuava.
Rede estadual
Mudança na gestão do ensino fecha turnos e turmas
Fernanda Trisotto e Diego Antonelli
Muitas escolas estaduais do Paraná foram surpreendidas com comunicados da Secretaria de Estado de Educação (Seed), enviados entre o fim de 2014 e o início de 2015, informando sobre o fechamento de turmas e turnos. Neste período, segundo informações do secretário da Educação, Fernando Xavier Ferreira, foram fechadas 2,5 mil turmas passando de 38 mil para 35,5 mil. A pasta afirma que esse trabalho de organização de turmas na educação básica é rotineiro para o setor de planejamento, e está atrelado ao número de matrículas e às dinâmicas populacionais de algumas regiões do estado. Para os professores e o sindicato da categoria essas mudanças, na verdade, significam corte de custos e vão impactar na queda na qualidade de ensino. Alertado em alguns casos pontuais, o Ministério Público do Paraná (MP-PR) acompanha a questão.
Readequação
Na última sexta-feira, o secretário classificou a medida como uma readequação estrutural. Na prática, dizem os professores, a consequência será salas de aula superlotadas. O Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Paraná (APP-Sindicato) diz que recebeu informações de turmas com mais de 50 alunos matriculados. "Fecham turmas, mas o número de alunos continua o mesmo. A superlotação é uma realidade", afirma a secretária de finanças do sindicato, Marlei Fernandes.
Segundo ela, não há condições de dar aula nessa situação. "Com as turmas abarrotadas de alunos o aprendizado torna-se impossível. Há ainda o risco de o professor adoecer devido ao volume de trabalho que terá." Segundo a norma da Seed, o número máximo de alunos por turma para os 6.º e 7.º anos, por exemplo, é de 30. Para os 8.º e 9.º anos é permitido até 35 estudantes, e para o ensino médio é possível ter até 40 alunos.
Realidade oposta ao que vive, por exemplo, a diretora do Colégio Estadual Visconde de Guarapuava, Márcia de Oliveira. "Com menos turmas, tenho fechado salas de 6.º ano com 40 alunos", revela. Para a assessora educacional da APP- Sindicato, Juliana Barbosa, a decisão em reduzir as turmas é unilateral. "As políticas de fechamento de turma e redução de gastos não estão passando por processos oficiais, só por determinação e decreto."
Diálogo
De acordo com ela, a demora do governo estadual em estabelecer diálogo com os professores tem impacto direto na qualidade do ensino. "O novo secretario de Educação desconhece o sistema educacional. A gente imagina que essa demora em dialogar pode ser até ele tomar pé da situação. Se não é isso, [é porque] ele é uma pessoa com perfil que não se importa com o processo, e sim com o resultado: cortar custos. A educação sofre uma precarização sem precedentes", desabafa Juliana.
"Não quero parar de estudar"
Quando tinha 13 anos, Thais Dantas Sousa desenhou uma casa. Sua tia gostou tanto do desenho que tornou isso um projeto e construiu o que estava no papel. Era um incentivo para que a jovem, hoje com 16 anos, seguisse estudando para se tornar arquiteta. O sonho, no entanto, teve de ser adiado momentaneamente. O colégio em que Thais cursa atualmente o 9.º ano do fundamental, a Padre Cobalchini, fechou o turno noturno. "Não quero parar de estudar. Preciso disso para crescer na vida", diz a jovem, que trabalha e só tem a noite para estudar. "Se eu quero ser arquiteta, eu posso. Não vou desistir."
A luta de Thais para estudar nunca foi fácil. Com 5 anos, a família dela se mudou do interior de São Paulo para Campo Magro, na Grande Curitiba. A mãe conseguiu matricular as duas filhas mais velhas, mas não achou vaga para Thais, que só conseguiu entrar na escola aos 8 anos para cursar a primeira série do fundamental.
A notícia do fechamento de turno abalou a estudante. "Esse é o único colégio [que estudei] que se preocupa com o aluno. Estão sempre ajudando, os professores ligam para saber porque faltamos." (FT)
Professores e funcionários da rede estadual de ensino do Paraná aprovaram por unanimidade, na manhã deste sábado (07), uma greve por tempo indeterminado. Com isso, os docentes não irão às salas na próxima segunda-feira (9), quando começaria o ano letivo. Mais de 2,1 mil escolas ficarão sem aulas, afetando os 950 mil alunos matriculados na rede.
SLIDESHOW: Veja imagens da assembleia da categoria que decidiu pela greve
"A paralisação foi definida por conta do caos que se instalou com os cortes promovidos pelo governo do estado e com a proposta de suprimir direitos dos professores, conquistados historicamente", disse Luiz Fernando Rodrigues, diretor de comunicação da APP-Sindicato, que representa a categoria. A assembleia foi realizada em Guarapuava, com a participação de cerca de 5 mil servidores da educação.
A confirmação da greve consolida uma crise na educação estadual, que estava em ebulição nas duas últimas semanas, por conta de medidas de contingência determinadas pelo governo do estado. Entre elas, estão o corte de funcionários das escolas (10 mil servidores foram demitidos, segundo o sindicato); o calote em parcelas do ano passado do fundo rotativo (dinheiro destinado à manutenção das escolas e compra de materiais); e atraso no pagamento do terço de férias dos docentes e da rescisão dos 29 mil professores temporários que trabalharam na rede no ano passado.
A gota d'água, no entanto, foi o "pacotaço" enviado pelo governador Beto Richa (PSDB) à Assembleia Legislativa na última quarta-feira. A proposta prevê a extinção dos quinquênios e torna mais difícil a retirada de licenças (que passam a ser aprovadas diretamente pelo secretário de Educação). A medida também promoveu cortes no vale-transporte e muda as regras para a previdência dos servidores.
Acampamento
Para tentar impedir a aprovação do "pacotaço", os professores devem levantar um acampamento em frente à Assembleia Legislativa nesta semana. Outras manifestações devem ocorrer, paralelamente, em todo o estado. A intenção da categoria é detalhar à população o impacto que os cortes causam à educação do estado.
"A categoria, em peso, vai tentar impedir que essas propostas absurdas sejam votadas na Assembleia. O 'pacotaço' tenta acabar com direitos que os professores levaram mais de 60 anos para conquistar", destacou o diretor de comunicação da APP. Alguns professores devem ir às escolas, mas apenas para explicar a pais de alunos os motivos pelos quais a greve foi deflagrada pela categoria.
Em entrevista coletiva realizada na sexta-feira, o secretário de Estado da Educação, Fernando Xavier Ferreira, demonstrava esperança de que os professores não optassem pela paralisação. Apesar disso, ele havia dito que não haveria um "plano b" em caso de greve. "A secretaria vive do trabalho dos professores. Se eles tomarem a decisão de greve, não poderemos tomar uma medida emergencial", disse.
Em nota, a Secretaria da Educação lamentou a decisão pela greve dos professores e lembrou que, nos últimos quatro anos, a categoria recebeu 60% de reajuste salarial e a ampliação de 75% na hora-atividade, dois avanços históricos em vencimentos e benefícios.
Ainda segundo o governo, em 2014, os investimentos do Paraná no setor superaram em R$ 1,8 bilhão o mínimo constitucional e o Estado aplicou na área 35% do orçamento.
MP diz que reduzir oferta de turno viola a Constituição
O Ministério Público do Paraná (MP-PR) tem acompanhado a situação de fechamento de escolas, turnos e turmas, mas atua de forma isolada em determinados casos. Em Curitiba, uma escola, a Emiliano Perneta, já tem um procedimento de investigação aberto. Outra, a Padre Cobalchinni, também deve seguir nesse caminho. Ambas tiveram o turno noturno encerrado. No interior, algumas promotorias ingressaram com ações, como em Toledo.
A ação civil pública contra o estado tenta garantir a matrícula de alunos no turno matutino do 3.º ano do ensino médio no Colégio Estadual São Pedro, de São Pedro do Iguaçu, na Região Oeste. A promotoria pede que a Justiça determine que o estado adote as medidas necessárias para garantir a matrícula antes do início do ano letivo, e também a vedação de medidas que reduzam ou eliminem a oferta de turnos nas unidades de ensino da cidade.
Durante a investigação administrativa, o governo do estado alegou que a extinção do turno se devia a uma adequação por causa da demanda reduzida. Para o MP-PR, essa diminuição viola o "princípio da proibição de retrocesso social". O entendimento é de que como a educação é um direito fundamental, garantido pela Constituição, é vedado tomar qualquer iniciativa que prejudique esse direito. (FT)
Colégio fica sem o fundamental noturno
Foi pouco depois da eleição de 2014 que a direção da Escola Estadual Padre Cobalchini, que fica em Santa Felicidade, em Curitiba, soube que as turmas do ensino fundamental noturno seriam encerradas. Desde então, o trabalho é árduo para tentar mudar a decisão da secretaria de educação.
A principal preocupação dos professores da escola é o futuro dos alunos. "Fechar a escola é uma judiação, porque é a única da região que oferece esse ensino [noturno]", desabafa uma professora que preferiu não se identificar. A escola atende à comunidade de Três Pinheiros, que é uma área de invasão bastante carente da região.
Por ali passam estudantes que não se adequam às turmas regulares. Muitos têm envolvimento com drogas, problemas na família, precisam trabalhar ou têm dificuldade em acompanhar uma turma tradicional, seja por demandarem mais atenção ou por problemas de relacionamento com os colegas.
O trabalho com esses alunos é diferente, com plano de atividades específico e incentivo para que não desistam de estudar. "É um trabalho bonito, individualizado, porque são alunos que não conseguem frequentar os outros turnos", diz outra professora. Estava dando certo: a escola tinha até fila de espera para novas matrículas. Agora, resta incerteza se será possível reverter a situação e manter o ensino noturno. (FT)
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