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Ativismo

Programa do STF contra a desinformação tem parceria com grupos de esquerda

Fachada da sede do Supremo Tribunal Federal (STF), em Brasília. (Foto: Fellipe Sampaio/SCO/STF)

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Em nome do “combate à desinformação”, o Supremo Tribunal Federal firmou uma parceria com uma entidade integrada por organizações radicais de esquerda.

A Rede Nacional de Combate à Desinformação (RNCD) surgiu como um projeto de pós-doutorado da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Os objetivos são vagos: “uma atuação voltada para a informação de qualidade”, com “princípios éticos voltados para o bem da coletividade brasileira.” Hoje, a rede é composta sobretudo por iniciativas de faculdades de comunicação país afora – boa parte delas ligada à checagem de fatos.

Em sua página na internet, a entidade afirma ter o apoio do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) e da UFPI (Universidade Federal do Piauí). Dentre os membros da rede, há grupos com uma clara pauta ideológica à esquerda.

A lista de organizações afiliadas inclui o Sleeping Giants, que tem um longo histórico de perseguição a grupos conservadores e de intimidação de patrocinadores, e o Brasil de Fato Pernambuco - que apoia declaradamente as pautas da esquerda radical. A editora do Brasil de Fato Pernambuco, Monyse Ravenna, é ligada ao MST e até escreveu um livro sobre a versão infantil do movimento. O Instituto Vero, outro membro da rede, tem o youtuber e militante de esquerda Felipe Neto como cofundador. A Rede também possui como membros entidades sem histórico de atuação na checagem de fatos, como o Museu de Anatomia Humana da USP.

Ainda assim, o STF considerou a Rede confiável o bastante para estabelecer uma parceria. A união é resultado de uma iniciativa da corte.

Criado em 2021 pelo ministro Luiz Fux, o Programa de Combate à Desinformação do STF inclui treinamento de funcionários do órgão e a produção de conteúdo para o público externo. Ao justificar o programa em sua página na internet, o STF menciona o Marco Civil da Internet e a Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas. Segundo a corte, o projeto busca "coibir apologia ao ódio nacional, racial ou religioso que constitua incitação à discriminação, à hostilidade, ao crime ou à violência."

A RNCD foi coorganizadora, ao lado do STF, de um seminário virtual sobre a desinformação. Mais recentemente, a corte lançou cinco vídeos em parceria com a RNCD. Eles não são exatamente um sucesso de público. Não passam de 500 visualizações no canal do STF no YouTube, e a produção - feita com alunos de escolas públicas em Santos (SP) não é das melhores. O aspecto mais interessante dos vídeos é a participação de Ivone Rocha, uma das gestoras de uma entidade chamada Devir Educom, que integra a RNCD.

Ivone não esconde suas preferências políticas em seus perfis nas redes sociais. “Impossível pensar que alguém, que raciocine direito, possa pensar em reeleger esse sujeito”, escreveu ela, em 9 de agosto deste ano. Ivone se referia a Jair Bolsonaro.

Ela também acusou de fake news as pessoas que são contra o comunismo. “Queria muito que as pessoas que se declaram contra o comunismo, que explicasse o que é, de fato, o comunismo. Se não sabe, que tal uma pesquisa no Google? Assim para de falar tanta besteira e fake news”, disse.

Em maio, Ivone defendeu o voto em Lula como a única opção viável contra Bolsonaro: “Para quê terceira via? Precisamos primeiro eliminar esse mal que assola o Brasil. Depois a gente segue cada um para o seu lado. O caminho está aí”, escreveu ela, ao compartilhar uma notícia de que o petista havia aparecido na capa da revista Time.

Quando o tenista Novak Djokovic foi impedido de disputar o Aberto da Austrália por não estar vacinado, Ivone achou um jeito de transformar o caso numa crítica a Bolsonaro. “Esse é um imbecil. Só lhe faltava morar no Brasil e votar no (aquele que não gosto nem de dizer o nome).”

A Rede Nacional de Combate à Desinformação foi lançada em setembro de 2020. No evento (virtual de lançamento), a saudação inicial foi feita a “todes”. E o convidado de honra foi Eugenio Bucci, que ocupou o cargo de presidente da Radiobras (atual Agência Brasil) no governo Lula.

Perfil questionável

Tribunais de outros países com prerrogativas similares às do STF evitam iniciativas alheias às funções próprias do Poder Judiciário, por vários motivos. Em primeiro lugar, essas cortes não têm tempo sobrando; além disso, entrar em outras áreas pode colocar em risco a sua credibilidade. A Suprema Corte Americana, por exemplo, não tem nem mesmo um simples perfil no Twitter. Muito menos um canal no YouTube onde publique suas opiniões sobre temas políticos. O princípio é o de que a corte deve se pronunciar apenas nos autos - e depois de uma análise cuidadosa e atenta do assunto em pauta.

Já o STF utiliza os formatos da moda, como das dancinhas no Tik Tok, para ensinar ao cidadão comum o que é “discurso de ódio”.

O problema é que a Constituição do Brasil não atribui ao STF o papel de fazer campanhas de conscientização de qualquer tipo. “O STF iniciar campanhas contra a publicação de ‘fake news’ visa o cerceamento do direito fundamental de informação do cidadão, não competindo a um órgão estatal - um órgão jurisdicional - impor regras e limitações a um direito fundamental”, afirma Aécio Flávio Palmeira Fernandes, especialista em Direito Constitucional.

Para Fernandes, mesmo que esse tipo de campanha estivesse dentro do escopo do STF, a corte não deveria ter como parceiros figuras e organizações que favoreçam claramente um dos lados do debate político. “A credibilidade de um órgão jurisdicional está intrinsecamente ligada à sua independência e legalidade”, diz ele.

O também advogado Geraldino Santos Nunes concorda que o projeto contra a desinformação não se encaixa com a missão do Supremo. “O STF não tem essa missão constitucional. Os limites da missão do STF estão na Constituição, e o STF está ultrapassando esses limites”, ele diz. Mais preocupante, afirma Nunes, é o fato de a corte - e muitos de seu ministros individualmente - terem passado a adotar uma postura claramente política, ao contrário do que se espera do poder Judiciário. “Juízes têm postura discreta, só se manifestam nos autos, não se manifestam politicamente e têm que demonstrar imparcialidade e isenção. Tudo o que os ministros do STF não fazem”, critica.

A Gazeta do Povo procurou a assessoria de imprensa do STF, que assegurou que a parceria com a RNCD não envolve qualquer repasse financeiro. Ainda segundo o órgão, a RNCD “reúne uma série de entidades das mais diversas atuações”. A assessoria do Supremo afirmou também que “o programa do STF é apartidário e não envolve nenhum tipo de discussão a respeito de correntes políticas.”

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