Em relatório divulgado nesta segunda-feira (25), a ONU critica as condições sociais no Brasil e alerta que os programas adotados desde o início do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ainda não estão sendo suficientes para lidar com questões como desigualdade social, reforma agrária, moradia, educação e trabalho escravo. A ONU alerta que as populações mais pobres não estão sendo beneficiadas pelo Programa Bolsa-Família e pede a revisão, maior eficiência e "universalização" do benefício. Por fim, constata: a cultura da violência e impunidade ainda reina no País.

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As recomendações apresentadas em Genebra estão sendo consideradas como uma avaliação do que foi o governo Lula em suas políticas sociais, a um ano e meio do fim de seu mandato. As críticas foram publicadas pelas Nações Unidas e são resultado da avaliação - que ocorre a cada cinco anos com cada país-membro - feita pelo Comitê pelos Direitos Econômicos e Sociais da entidade. Há duas semanas, o comitê convocou o governo brasileiro para ser sabatinado em Genebra. Os peritos querem que o Brasil traga os resultados dessas recomendações em sua próxima sabatina, em 2013.

Um dos principais pontos destacados pela ONU foi a questão da redução da pobreza e a eficiência dos programas oficiais, principalmente o Bolsa-Família. "O comitê está preocupado que, apesar das contribuições significativas para a redução da pobreza, o Programa Bolsa-Família está sujeito a certas limitações", diz o relatório.

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A ONU sugere que o Brasil amplie o Bolsa-Família para as camadas da população que continuam sem receber o benefício e insinua que o esforço não está chegando a quem mais precisa. Recomenda-se que medidas sejam tomadas para "aumentar a eficiência do programa". Esse aumento de eficiência seria feito por meio de uma "revisão" dos mecanismos de acompanhamento do programa para garantir que todas as famílias pobres tenham acesso ao benefício. A ONU quer ainda garantias de que as famílias indígenas também sejam beneficiadas.

Os peritos sugerem que o governo aumente a renda distribuída pelo programa "para garantir que os beneficiados possam desfrutar de seu direitos à alimentação e moradia". Em outras palavras, a avaliação é de que o atual valor não é suficiente.

No entanto, em nenhum momento a ONU sugere que o programa seja abolido e chega a sugerir que o governo considere transformar o programa em uma "benefício universal" para garantir uma renda mínima, em especial para as populações marginalizadas.

Os peritos admitem avanços no combate à pobreza no País, mas insistem que a injustiça social "prevalece". Para a ONU, o Brasil precisa "intensificar" seus esforços para reduzir as "persistentes desigualdades" entre regiões e pessoas.

Um dos pontos considerados críticos é a diferença de expectativa de vida e de pobreza entre brancos e negros. A sugestão da ONU é que o governo tome medidas "mais focadas".

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Outro ponto de preocupação é a informalidade. "O comitê está preocupado com a alta proporção da população excluída de qualquer forma de segurança social, em especial o alto número de pessoas no setor informal da economia", alerta a ONU. A situação das empregadas domésticas é um dos pontos destacados. A ONU pede novas medidas nesse campo da segurança social. Outra medida seria a regularização dos trabalhadores atuando na informalidade para que possam desfrutar dos benefícios sociais.

Trabalho escravo

Um aspecto que ainda preocupa a ONU é o "grande número de brasileiros trabalhando em condições desumanas e em situações similares à escravidão, ou sujeitos ao trabalho forçado". A ONU acusa a existência dessas práticas nas plantações de cana-de-açúcar e no setor madeireiro.

Um dos alertas é que o trabalho escravo está atingindo principalmente os jovens nas famílias mais pobres e a ONU pede para que o governo adote "medidas efetivas para acabar com todo o tipo" de trabalho forçado. Outro pedido é para que os responsáveis pelos atos sejam processados e punidos.

Para completar, a ONU pede maior esforço no combate ao trabalho infantil, além de processos judiciais contra os autores deste tipo de crime. Outro fenômeno que preocupa é o elevado número de crianças ainda vivendo nas ruas.

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Violência

A questão da violência é um dos pontos críticos do relatório. "O comitê está profundamente preocupado com a cultura da violência e impunidade que prevalece no País", aponta o relatório. A ONU se diz alarmada com as ameaças contra ativistas de direitos humanos e com a existência de milícias formadas até por agentes públicos de segurança. "O comitê está também profundamente preocupado com o fracasso das autoridades brasileiras de garantir a segurança de defensores de direitos humanos", afirmou o documento, que alerta que ninguém é responsabilizado pelos atos. O assassinato de sindicalistas é considerado preocupante e os peritos pedem que medidas de proteção dos líderes sejam tomadas. Elaboração de listas negras de sindicalistas foi outro ponto levantado.

A ONU pede que o Brasil tome "todas as medidas necessárias" para combater a cultura da impunidade. Entre as medidas estão o treinamento de policiais e investigação dos casos de violações por agentes públicos.

Políticas sociais

A eficiência da política de moradia do governo também é questionada. "O comitê alerta, com preocupação, que mais de 6 milhões de pessoas no País vivem em condições urbanas precárias, que um número elevado de sem-teto existe e que a migração rumo às grandes cidades piorou a situação", afirma o documento.

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A ONU admite o esforço do governo nessa área, mas se diz "preocupada com a falta de medidas adequadas para garantir moradia às famílias de baixa renda". Durante a sabatina com o governo, os peritos chegaram a questionar a construção de um muro para frear o avanço das favelas no Rio de Janeiro. Em seu relatório final, a palavra "muro" não entra. Mas a ONU pede que o governo tome "medidas adicionais" para lidar com o problema e garantir acesso à moradia.

Uma das promessas do governo, a reforma agrária, também foi mencionada. A ONU criticou a lentidão da reforma agrária no País e se diz "preocupada" com o processo. A demarcação das terras indígenas também foi alvo de críticas e a ONU lembra ao País que, já em 2003, alertou que o processo de demarcação deveria ser concluído com urgência.

Educação

A situação da educação no País não passou despercebida. A ONU alerta que 43% das crianças entre 7 e 14 anos não completam o ciclo primário em idade adequada. Os peritos sugerem que o governo estude o motivo desse fenômeno e que adote novas políticas.

A ONU alertou para as dificuldades de mulheres, pobres e negros de terem acesso às universidades. "Há uma disparidade significativa no acesso à educação universitária", afirmam os peritos, que sugerem novas estratégias para beneficiar os grupos marginalizados.

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A entidade conclui que o acesso à cultura ainda é limitado na sociedade brasileira, enquanto os recursos para a cultura estão concentrados nas grandes cidades.

Mulheres

O documento enfoca sua preocupação também com a representação das mulheres brasileiras como "objetos sexuais". A constatação das Nações Unidas é que persiste no Brasil uma imagem estereotipada da mulher na família e na sociedade. "Isso pode fazer a mulher ser mais vulnerável à violência", avalia o relatório.

A entidade destaca que, apesar de as mulheres terem um nível educacional mais elevado em geral que os homens, elas estão sub representadas no Congresso, em postos de gerência e tem salários mais baixos.

Outro alerta da ONU é em relação aos abortos clandestinos no Brasil. Para a entidade, essas práticas são uma das principais causas de morte de mulheres no País. A ONU sugere que novas leis sejam adotadas para lidar com a situação, além de uma campanha publicitária para ajudar a mudar o estereótipo tradicional da mulher na sociedade.

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