Depois que a Gazeta do Povo divulgou o caso da mineira Jaqueline Freitas Gimenez, presa por cinco meses em Minas Gerais sem contato com seu advogado, um Projeto de Lei (PL) sobre o tema começou a tramitar no Congresso Nacional. A proposta é garantir o direito de todo indivíduo preso ser assistido por advogado, de forma presencial ou online, em qualquer localidade do Brasil.
Proposto pela deputada e advogada Rosangela Moro (UNIÃO/SP), o PL 4463/2024 foi protocolado dia 19 de novembro, uma semana após a reportagem ser publicada. Segundo a defesa de Jaqueline, a mulher não teve acesso a reuniões online com seu advogado porque o profissional reside em outro estado e não possui inscrição na seccional mineira. “Uma limitação burocrática imposta pela OAB-MG”, pontuou a deputada, em seu Instagram.
À Gazeta do Povo, Rosangela informou que a Constituição Federal assegura o direito de atendimento por advogado e que isso deve ocorrer em qualquer lugar do Brasil. Segundo ela, o Estatuto da OAB, inclusive, autoriza que os profissionais atuem em outras localidades e que o pagamento de inscrição em diferentes seccionais só será exigido se tiverem mais que cinco causas por ano no estado.
O profissional contratado por Jaqueline, no entanto, foi impedido de realizar reuniões virtuais com sua cliente. “O caso noticiado é gravíssimo, porque também impõe à parte o ônus de pagar pelo deslocamento do advogado para que possa ser atendido no sistema prisional”, acrescenta a deputada.
Por isso, ela decidiu apresentar um Projeto de Lei que garanta comunicação online entre os profissionais da advocacia e os presos que atendem, independentemente da seccional em que estejam inscritos. A proposta tem coautoria dos deputados Mauricio Marcon (PODE/RS), Jefferson Campos (PL/SP) e Carla Zambelli (PL/SP), e já foi assinada por outros 10 parlamentares.
O que diz o Projeto de Lei?
Segundo o texto protocolado na última semana, o projeto quer alterar a Lei 8.906, de 4 de julho de 1994, a respeito das atividades da advocacia. A mudança prevê acréscimo ao Artigo 7º, inciso III, garantindo “comunicação presencial ou por meio virtual com o cliente, independentemente da seccional em que esteja inscrito o advogado”.
Ao justificar a proposta, os autores apontam que o uso de dispositivos tecnológicos para reuniões entre advogados e clientes encarcerados tem sido cada vez mais frequente nas unidades prisionais brasileiras por questões relacionadas à segurança, otimização do tempo e economia.
No entanto, informam que regras das seccionais da OAB têm dificultado esse uso por advogados que residem em estados diferentes de onde o cliente está preso. O caso usado como exemplo no Projeto de Lei é o de Jaqueline, condenada pelos atos do 8 de janeiro de 2023 e que “não estava tendo acesso, por meio virtual, ao seu advogado”. O texto cita a reportagem da Gazeta do Povo.
Ainda de acordo com o documento, a autonomia político-administrativa de cada estado para legislar sobre seu sistema prisional (CF, art. 24, I) não pode usurpar o direito de o indivíduo ser assistido por advogado em qualquer localidade do território nacional, “devendo o Estado adotar providências para a efetivação desse direito”.
O projeto cita também que o bacharel em Direito aprovado no exame de proficiência da Ordem dos Advogados do Brasil “está habilitado a exercer sua profissão em todo o território nacional” e que o Estatuto da OAB prevê essa atuação em até cinco causas por seccional.
“Portanto, exigir do advogado inscrição suplementar para o direito de defesa de pessoa presa é contra a lei e contra o direito da ampla defesa assegurado pela CF”, aponta o texto.
Expectativa em relação ao projeto
Segundo a deputada Rosagela Moro, a proposta aguarda despacho do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), para as comissões temáticas competentes.
Após essa etapa, a expectativa é de que o projeto avance devido à urgência da adequação normativa. “Afinal, trata-se de uma questão que impacta diretamente a vida das pessoas envolvidas e de seus familiares, além de ser fundamental para garantir a justiça e os direitos previstos”, disse a parlamentar.
A Gazeta do Povo entrou em contato com a OAB Nacional e com a OAB-MG a respeito do Projeto de Lei e aguarda retorno. O espaço segue aberto para manifestações.
Quem é a presa do 8/1 que teve seu caso citado no PL
Com 17 anos de condenação pelos atos do 8 de janeiro de 2023, Jaqueline Freitas Gimenez está encarcerada no Presídio Feminino de Juiz de Fora, em Minas Gerais, desde maio deste ano. Ela é dona de casa, casada, e mãe de duas crianças, de sete e dez anos.
Segundo seu advogado, Helio Junior, o que existe contra ela são fotos nos prédios públicos já danificados no dia 8 de janeiro, e uma denúncia do MP que cita crimes multitudinários, em que todas as pessoas presentes nos atos seriam responsáveis pelo que ocorreu.
Jaqueline foi condenada pelo ministro Alexandre de Moraes por associação criminosa armada, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado por violência e grave ameaça — com emprego de substância inflamável — contra o patrimônio da União, e também por deterioração de patrimônio tombado.
Ela ficou dois meses presa em 2023, passou mais de um ano com tornozeleira eletrônica e voltou à prisão em maio deste ano, quando teve o último contato com seu advogado, do Distrito Federal (DF). Além da distância que inviabiliza reuniões pessoalmente, encontros virtuais só são autorizados para profissionais inscritos na OAB-MG.
Após a publicação do caso pela Gazeta do Povo, o Departamento Penitenciário de Minas Gerais (Depen-MG) realizou contato com o advogado, e a primeira reunião com Jaqueline foi realizada dia 13 de novembro, cinco meses e 20 dias após a prisão.
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