A população carcerária brasileira, estimada pelo Departamento Penitenciário Nacional (Depen) em 473 mil em 2009, poderá diminuir caso o novo Código de Processo Penal (CPP), aprovado pelo Senado na última terça-feira, entre em vigor após aprovação na Câmara e sanção presidencial. O projeto aperfeiçoa, à luz dos princípios da Constituição Federal de 1988, as regras para julgamento e punição de crimes no Brasil, que estão em vigor desde 1941. Um dos objetivos do texto com mais de 700 artigos, elaborado inicialmente por um grupo de 11 juristas, é evitar ao máximo a prisão de um acusado, colocando à disposição do juiz um leque de medidas cautelares e de controle do réu, como o recolhimento domiciliar e o monitoramento eletrônico. Atualmente, os juízes têm poucas opções para prevenir crimes ou assegurar a proteção da vítima. Basicamente, ele pode apenas prender o acusado até que os advogados consigam provar que o réu não oferece risco à sociedade, devendo responder o processo em liberdade. Com a nova redação do CPP, abrem-se outras alternativas, o que é cosiderado um dos principais avanços democráticos e sociais do novo projeto.
"Um juiz poderá oferecer ao réu, por exemplo, se ele prefere ir preso ou utilizar um bracelete para monitoramento eletrônico. Há pesquisas que mostram que as pessoas que se submetem a isso ficam constrangidas (de cometer novos crimes)", explica o advogado paranaense Jacinto Nelson de Miranda Coutinho, um dos 11 juristas que trabalharam na Comissão Especial de Reforma do Código de Processo Penal no Senado.
Essa medida, apontam os especialistas, poderia evitar o acúmulo de presos provisórios, que correspondem hoje, no Brasil, a cerca de 40% da população carcerária. "O acusado que não está preso é um custo bem menor para o Estado. No Paraná, por exemplo, é de cerca de R$ 2 mil por mês [para cada preso]", opina o professor de Direito Processual da Universidade Positivo, Marco Antônio Nunes.
Outra grande novidade do novo texto é a instituição do juiz de garantias. Hoje o mesmo juiz que trabalha na fase de investigação de um processo é o que dá a sentença em primeira instância. Com o novo CPP, um magistrado atuará somente na fase da investigação do inquérito para autorizar, por exemplo, a quebra de sigilo bancário. Outro juiz irá julgar o crime. A medida deve evitar que o envolvimento do juiz com o caso seja tão grande a ponto de prejudicar a imparcialidade dele.
O projeto traz, ainda, outras alterações substanciais (veja o quadro). Uma das mudanças é a supressão da prisão especial para quem tem curso superior. Com a alteração, joga-se a competência para que o juiz decida quem terá direito a ficar em cela diferente dos presos comuns. Outras novidades são: a possiblidade de videoconferência, de uso de algemas somente se o preso apresentar resistência e a permissão para a indicação de um interventor nas empresas com o afastamento dos gestores acusados de crime.
O texto do novo CPP foi aprovado pelo Senado, depois de cerca de dois anos de discussão, com base em um projeto substitutivo apresentado pelo senador Renato Casagrande (PSB-ES). O projeto substitutivo recebeu 214 emendas em plenário, das quais 97 foram aproveitadas. "Não se mexeu no esqueleto do projeto. Os objetivos iniciais de dar mais rapidez ao processo [penal] e diminuir os recursos protelatórios foram mantidos", disse Casagrande.
Para entrar em vigor, porém, o projeto precisa, ainda, ser votado pela Câmara dos Deputados. Caso os deputados façam alterações no texto, ele precisar ser votado novamente pelo Senado. Dessa forma, as novas regras ainda não têm prazo para entrar em vigor.
Os especialistas consideram que a atualização do Código de Processo Penal é um grande avanço para o país porque estabelecem regras mais adequadas às demandas atuais da sociedade em um julgamento criminal. "[O projeto] é infinitamente melhor que o [Código] atual, mas ainda não é o mais próximo da perfeição", opina Coutinho. Ele informou que estuda com outros juristas do Núcleo de Processo Penal da Universidade Federal do Paraná (UFPR) a proposição de alterações no texto recém-aprovado para ser encaminhada para a Câmara dos Deputados. "Poderia se aproveitar o momento para se fazer mais", acredita o advogado e professor da Universidade Positivo, Pedro Luciano Evangelista Ferreira.