Chegou à mesa da presidente Dilma Rousseff o anteprojeto de lei que promete regulamentar o repasse de verbas públicas para as entidades do terceiro setor. Entre os pontos mais importantes, o texto define que aportes acima de R$ 600 mil por ano deverão ser fiscalizados por uma auditoria externa; que os salários dos dirigentes serão pagos diretamente pelo governo e respeitarão o teto constitucional; e que estes deverão ter ficha limpa na Justiça.
O documento foi elaborado por um grupo de trabalho formado por representantes do governo federal e de organizações não governamentais (ONGs), fundações, institutos e igrejas, e agora deve receber o aval definitivo da presidência para então ser encaminhado para tramitação como Projeto de Lei do Executivo.
O texto, que vem sendo definido como um novo marco regulatório para o financiamento dessas entidades, é uma tentativa de resposta do governo após os escândalos de corrupção que custaram o cargo de pelo menos três ministros em 2011 (Turismo, Esporte e Trabalho). Pouco depois da crise, o grupo de trabalho foi formado, ao mesmo tempo que a presidente decretava a suspensão dos convênios com as ONGs. Em 2012, o valor total dos repasses diminuiu consideravelmente. De R$ 1,46 bilhão em 2011, passou a R$ 390 milhões no ano passado.
A contenção de verbas, apesar de ter evitado possíveis desvios, também gerou reclamações. No Brasil, o terceiro setor se consolidou como uma ferramenta importante para a execução de políticas públicas. Existem 290 mil entidades sem fins lucrativos registradas no país, segundo dados do IBGE relativos a 2010.
Para a diretora executiva da Associação Brasileira das Organizações Não Governamentais (Abong), Vera Masagão Ribeiro, a nova legislação, caso aprovada, trará garantias para as entidades que buscam desenvolver um trabalho sério. "Hoje enfrentamos muita burocracia e insegurança jurídica. Na hora de assinar um contrato, ninguém consegue saber com certeza o que pode ou não ser feito", aponta.
De acordo com a Abong, os convênios com o poder público são responsáveis por 20% da receita das entidades. As outras fontes são doações privadas, venda de produtos, organização de eventos e pagamentos por serviços prestados. "Existe um mito de que o dinheiro público financia as ONGs quase integralmente", ressalta Vera.
O governo federal aponta que um em cada cinco contratos firmados com o terceiro setor supera R$ 600 mil anuais.
Tentativas de regulação vêm da década passada
Volta e meia os repasses de dinheiro para o terceiro setor entram na pauta de discussão legislativa, geralmente após o estouro de um escândalo de corrupção. Em 2001, houve uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) no Senado para investigar a ação de ONGs ambientais e indígenas suspeitas. O relator, senador Mozanildo Cavalcanti, apresentou um projeto de lei que sugeria a necessidade de uma autorização do governo para a criação de uma ONG, que poderia ser cassada. As entidades protestaram.
Uma nova tentativa de regulação foi realizada em 2004, com um projeto de lei que criaria um cadastro nacional de ONGs. Dessa vez, a crítica recaía sobre a irrelevância de um cadastro simples, sem acompanhamento do trabalho das entidades. Outros textos recomendavam a adoção de procedimentos de licitação pelas instituições.
Para Leandro Marins de Souza, presidente da Comissão de Direito do Terceiro Setor da OAB-PR, existe um equívoco no foco da fiscalização. "Os entes públicos que liberam o dinheiro precisam de um acompanhamento mais próximo. O anteprojeto corre o risco de se tornar apenas mais uma lei em meio a tantas, que vai causar apenas mais dúvida e insegurança".