A promoção de funcionário público para cargo fora da carreira para a qual ele foi concursado é proibida desde 1988 pela Constituição Federal. O texto do artigo 37, inciso II da Constituição, diz que "a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego". Porém, o Tribunal de Contas do Paraná (TC) promoveu a ascensão de 135 servidores usando como justificava jurídica duas leis estaduais que conflitam com a Constituição: as leis n.º 6.174/70 e n.º 9.436/90.
A primeira lei estadual, de 16 de novembro de 1970, é uma legislação geral sobre o estatuto dos servidores públicos do estado do Paraná. Ela prevê que as promoções podem ser realizadas de seis em seis meses, desde que existam vagas e sempre obedecendo aos critérios de merecimento e antiguidade.
A segunda lei, de 9 de novembro 1990, regulamenta a primeira para o caso específico das promoções dentro do Tribunal de Contas. A legislação, que foi criada dois anos depois da entrada em vigor da nova Constituição, permite que o TC faça promoções de funcionários de uma carreira de nível fundamental ou médio para outra de nível superior desde que os servidores beneficiados passem a ocupar as classes iniciais do cargo superior a que foram promovidos. Também estabelece que essas ascensões se limitem a no máximo um terço das vagas existentes para promoções.
Ambas as leis estaduais serviram por muitos anos de amparo ao TC para conseguir promover seus funcionários. Porém, para a advogada especialista em direito administrativo Vivian Lima Lopez Valle, professora de Direito da PUCPR, as duas leis estaduais são inconstitucionais e não poderiam ter sido utilizadas para justificar as ascensões. "A primeira porque foi editada antes da Constituição de 1988. A segunda porque vai contra a lei maior, que diz que o acesso aos cargos públicos não-comissionados se dá apenas por concurso público", explica Vivian.
Apesar disso, as promoções podem ser interpretadas como legais a partir de uma brecha jurídica: a lei estadual de 1990 nunca foi oficialmente considerada inconstitucional. Para isso, seria preciso que o Supremo Tribunal Federal (STF) a declarasse ilegal a partir de uma ação direta de inconstitucionalidade. Vivian acredita que esse seria o principal argumento do TC para fazer as ascensões. "Em princípio, eles estariam certos. Mas é lógico que o Tribunal de Contas tem mais do que a obrigação de saber da inconstitucionalidade dessa lei, já que ele é o órgão guardião da administração pública", afirma Vivian.
Além disso, o próprio STF também já havia se posicionado, em 1992, contra uma legislação estadual do Rio de Janeiro, semelhante à paranaense, que também era usada para ascensões irregulares. Sobre o assunto, o STF ainda editou a Súmula 685, de 24 de setembro de 2003, na qual prevê que é inconstitucional toda modalidade de promoção fora da carreira para a qual o servidor foi concursado.
O advogado especialista em Direito Administrativo e professor da Universidade Federal do Paraná, Romeu Bacellar Filho, explica que a dupla interpretação em relação ao texto da Constituição de 88 acontece porque, antes disso, na Constituição anterior, a lei dizia que somente a primeira investidura em cargo, emprego ou função pública dependerá de concurso público. "Como a Constituição de 88 veio e suprimiu a expressão primeira investidura, passou-se a entender que estava absolutamente extirpada da vida da nação a figura do acesso e ascensão funcional", explica. Para o advogado também especialista em Direito Administrativo e professor das Faculdades Curitiba, Daniel Müller Martins, antes de 88 a promoção por concurso interno, como era comumente chamada, era algo pacífico dentro de diversos órgãos públicos, não só do TC. "Na verdade, o que aconteceu, mesmo depois de 88, é que alguns órgãos continuaram promovendo sem novo concurso porque faziam uma interpretação restritiva do inciso II do artigo 37, entendendo que o concurso público só era exigido para carreira inicial. Mas, a partir do momento que o Supremo Tribunal Federal definiu esta questão, hoje não há mais dúvidas sobre o assunto", afirma Martins, que trabalha com ações civis públicas sobre ascensões irregulares.