Nas últimas semanas, histórias de agressões, ameaças, bombas, brigas de gangues e até tiros na sala de aula tomaram conta do noticiário. Diante de tudo isso, um promotor da infância decidiu agir: criou uma forma eficiente de colocar alunos baderneiros na linha.
"O Estatuto da Criança e do Adolescente não fala só de direitos, ele fala também de deveres e orientações. Nós estamos levando à escola a prestação de serviços em troca de maus atos, no lugar de registrar uma ocorrência policial contra esse jovem que não é infrator ele não é um delinquente, ele é um indisciplinado", explicou o promotor de Justiça Sérgio Fernando Harfouche.
Por e-mail ou telefone, professores se aconselham com o promotor. E os pais autorizam o castigo, assinando um termo disciplinar. "Eu acho que tem mesmo que ser disciplinado os alunos. Ele vai lavar a quadra e eu achei muito bacana", disse Eroina Azevedo Barros, mãe de aluno.
"Todo mundo que eu costumo mandar para o diretor, quando volta, volta uma maravilha", contou o professor Jorge dos Santos. Tata Souza de Carvalho, de 13 anos, era aluna problema e mudou depois de cumprir medida disciplinar na cozinha. "Eu vim lavar as cumbucas, ajudar a entregar as merendas, catar vasilhas nas salas", explicou Tata.
Tcharles também era da "turma barra pesada". "Tudo viciado em drogas, tudo andava armado, tudo aprontava, fazia coisa errada", disse Tcharles Souza de Carvalho, de 16 anos. Teve que cumprir muita medida disciplinar. "Limpei lá na frente, troquei a areia do parquinho, lavei os dois banheiros e varri o pátio."
"Já nos três primeiros meses, nós temos registro de redução de 60% da violência escolar", contou o promotor. Em um ano, pelo menos 3 mil alunos em 50 escolas já entraram na linha. Assinam um termo de compromisso com a promotoria da infância e juventude.
A escola onde tudo começou virou referência internacional em gestão educacional. "Eu me encantei pela possibilidade que esse projeto traz do resgate da autoridade do professor, sem autoritarismo", disse a professora Ester Lorusso.
Vice-diretora de uma escola na periferia de São Paulo, Ester luta para implantar o projeto de Campo Grande onde trabalha o quanto antes. "Hoje a gente já se depara com alunos dizendo que o sonho dele é ser bandido, infelizmente", contou Ester Lorusso, vice-diretora de escola. "Eu acredito que a consequência desse projeto construirá cidadãos de verdade".
Casos nas escolas
Cenas de violência foram registradas em uma escola do interior de Minas Gerais, em Ituiutaba. Mas um professor no Rio de Janeiro já viu coisa pior. "Um dia fui impaciente com um aluno, gritei com ele e aí tomei uma banda, fui ao chão", afirmou. "Um dos rapazes ficou incomodado, se sentiu ofendido e me deu uma cabeçada e abriu o meu supercílio. Sangrou."
Na Zona Norte do Rio de Janeiro, no dia 29 de março, mais um caso banal de violência em escola foi registrado. Depois de uma briga no pátio, a diretora chama a mãe de um aluno de 12 anos para conversar. O menino agride a diretora, quebra as janelas da escola e a mãe dele ainda arranca a fiação da secretaria para impedir que a polícia seja chamada. Nos registros de violência, há até o caso em que um professor de educação física foi morto.
"O grau de letalidade, o grau de gravidade dessas violências, elas estão cada vez mais severas", disse Renato Alves, pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (USP).
Em Uberaba, um rapaz de 16 anos levou uma facada na porta da escola, terça-feira passada (6), ao defender um primo que vinha sendo ameaçado pelos colegas. Em Sobral, no Ceará, um adolescente levou um tiro dentro da sala de aula depois de discutir com um aluno. Em Marília, no interior de São Paulo, três bombas explodiram numa escola em menos de uma semana. Um menino de 13 anos perdeu um dedo da mão.
"Esse sistema de escola está falido. Ou se muda ou a gente não vai ter mais porque educar essas crianças nesse modelo de escolarização. Porque onde você tem violência, não tem aprendizado", declarou Renato Alves.
"Nós tivemos alunos atirando dentro da escola e nós tivemos que sair correndo com a criançada, colocar para baixo de uma mesa", contou a professora Maria de Fátima Colman. "A gente no recreio não dava para sair, tinha que ficar na sala por causa das gangues que a gente tinha medo de encrencar com a gente", disse Avelina Aparecida Cardoso, de 13 anos.
Cenas de violência já foram comuns numa escola em Campo Grande. Troca de tiros, um aluno foi morto diante dos colegas. Foi a gota d'água para que uma grande transformação acontecesse lá dentro.
"Não chegava a 10% a participação dos pais, hoje nas reuniões chega a 90, 100%", contou Valson Campos dos Anjos, diretor da escola.
Em abril do ano passado, a promotoria da infância e juventude de Campo Grande embarcou numa parceria que hoje conta com mais de 30 mil pais e 8 mil professores do município.
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