De segurança de balada à técnica em enfermagem
Para quem não havia sequer terminado o ensino médio dois anos atrás, a conclusão de um curso técnico no Pronatec daqui 20 dias é a realização de um sonho para Adriana Pinto Maldaner, 32 anos. Ex-segurança de uma casa noturna em Cascavel, ela assume no próximo mês uma vaga como técnica em enfermagem na rede pública da cidade. "Eu queria fazer esse curso, mas não ganhava bem para pagar. o Pronatec facilitou a vida de todos. Basta ter força de vontade", diz.
Em 2012, mirando o Pronatec, Adriana se matriculou no Ensino Para Jovens e Adultos para concluir o ensino médio. Com o diploma, ela conseguiu a vaga no Senac-PR e, três meses depois, já estava estagiando no Consórcio Intermunicipal de Saúde do Oeste do Paraná.
Para se formar, a estudante enfrentou uma jornada de 1,8 mil horas. "A pessoa que só lê a primeira linha das coisas acha que o Pronatec é só curso rápido. Mas, vendo com atenção, há ótimos cursos", diz Adriana, mãe de uma filha de 13 anos.
Governo federal nega divergência nos dados
O governo federal informou que não há diferença entre os números do Ministério do Desenvolvimento Social e os destacados por municípios. Segundo o MDS, a falha pode ter ocorrido na leitura dos dados. Isso porque as tabelas do Planalto são desde o início do Pronatec, enquanto os municípios podem ter repassado apenas números de 2014. Diferentemente das prefeituras, a pasta não divulgou dados de pré-matrículas.
A reportagem reforçou, entretanto, que os dados coletados com os municípios são de todo o período do Pronatec e que todas as informações foram prestadas por escrito. Em Florianópolis, por exemplo, foram 1.359 matrículas concluídas sendo 590 em 2012, 399 em 2013 e 370 neste ano. O governo federal diz ter 3.909 matrículas na capital catarinense.
Já Porto Alegre, onde o MDS diz ter matriculado 12.786 alunos, confirmou apenas 2.384 matrículas todas elas em 2014. Já as pré-matrículas foram 3.170 em 2013 e 4.955 em 2014. Segundo gestão da capital gaúcha, o ACESSUAS um sistema de busca das famílias em vulnerabilidade social começou a funcionar apenas em dezembro 2013 e os números de 2014 são muito maiores do que os dos anos anteriores.
Cuiabá, por sua vez, informou apenas que 5.139 matrículas foram confirmadas no programa. Entre setembro de 2013 e setembro deste ano, o governo federal diz que as matrículas na capital mato-grossense pularam de 6.594 para 14.351 um crescimento de 7.757 matrículas. Se houvesse todas essas vagas, diz o município, não haveria necessidade de se recorrer às 1.570 vagas em cursos do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior.
Salvador informou 11.953 pré-matrículas neste ano e informou dados de matrículas confirmadas entre janeiro de 2011 e agosto de 2013: 12.127. Se todas as pré-matrículas de 2014 se confirmarem, a capital baiana terá 24.080 matrículas mais do que o informado pelo MDS.
São Paulo, apesar de não ter liberado os dados divididos por ano, repassou seus números por e-mail após ter sido questionada sobre os dados totais do Pronatec, desde o início do programa. Na mensagem, não há qualquer menção de que a informação seja somente de um ano.
Prioridades
Porto Alegre e Cuiabá criticam programa
A prefeitura de Porto Alegre diz ter matriculado apenas 2.384 pessoas neste ano porque os parceiros do programa, como o Senac-RS, não estariam priorizando pessoas em vulnerabilidade social. Segundo o Senac-RS, porém, a informação não procede e a instituição de ensino "não pode definir público e nem fazer a seleção". Tais papeis seriam do demandante, ou seja, da prefeitura.
Já Cuiabá diz que a União não ofereceu vagas suficientes. Diferentemente das 14,3 mil matrículas informadas pelo Planalto, o prefeitura diz ter feito 5.149 inscrições e que esse número só foi possível após uma complementação de vagas pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior.
Vitrine do governo federal nas eleições de 2014, a marca de 8,1 milhões de estudantes no Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec) pode ter sido inflada com matrículas que ainda não se confirmaram. A Gazeta do Povo confrontou informações repassadas pelo Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) e constatou que em ao menos cinco capitais incluindo São Paulo e Porto Alegre , os dados repassados pelo governo federal são até três vezes maiores do que os informados pelos municípios.
INFOGRÁFICO: Veja o número de matriculados no Pronatec Brasil Sem Miséria
A meta do governo federal era matricular 8 milhões nos cursos do Pronatec até o fim deste ano algo que o Ministério da Educação diz já ter superado. Desse total, 1,439 milhão veio do Pronatec Brasil Sem Miséria braço do programa voltado a famílias em vulnerabilidade social. Essa quantidade é mais do que o dobro do mostrado em reportagem publicada pelo jornal no ano passado (692 mil inscritos).
Os números repassados pelo MDS, entretanto, divergem dos informados por São Paulo, Florianópolis, Porto Alegre, Cuiabá e Salvador. Juntas, essas prefeituras dizem ter matriculado 25.891 alunos de baixa renda no Pronatec. A diferença em relação aos dados do governo federal é de 38 mil matrículas, mas ela pode ser maior, já que a reportagem consultou apenas capitais e não cidades do interior, onde os números são bem mais robustos.
A divergência nos dados pode ser explicada pelo critério utilizado nas estatísticas. As informações apresentadas pelos municípios que mais se aproximavam das federais são as de pré-matrículas. Ao todo, dizem essas capitais, foram 59 mil pré-matrículas fase em que a vaga ainda não está garantida.
Procurado pela Gazeta do Povo, o Ministério do Desenvolvimento Social encaminhou uma tabela com dados de 2014 e de todo o período de execução do projeto na qual sugere que os números obtidos pela reportagem se referiam apenas a este ano e não ao ciclo completo do Pronatec. Entretanto, três das cinco secretarias municipais consultadas pela Gazeta do Povo repassaram informações por ano, o que vai de encontro com a explicação da pasta federal. As outras duas confirmaram que os dados se referem ao período entre 2012 e 2014.
A inconsistência dos dados do Pronatec pode não se restringir aos cursos voltados ao público do Bolsa Família. Em relatório publicado no dia 27 de agosto, a Controladoria Geral da União (CGU) já havia apontado necessidade de aprimoramento no controle do Pronatec Bolsa Formação, que inclui as versões "Trabalhador" e "Estudante". Segundo o relatório de auditoria, instituições de ensino conveniadas continuam recebendo valores por alunos desistentes. Isso ocorreria por causa de uma deficiência no sistema, que ainda não tem um campo para reconfirmação da matrícula apesar dessa necessidade ter sido levantada em uma portaria do Ministério da Educação no ano passado.
Cursos rápidos são 68% das matrículas
O Pronatec oferece cursos técnicos, com carga horária que varia de 800 a 1,8 mil horas, e de formação inicial e continuada modalidade cujos cursos vão de 160 a 500 horas/aula. Apesar de ter sido procurado durante uma semana, o Ministério da Educação não informou quantas das 8,1 milhões de matrículas se referem a cada modalidade.
Entretanto, reportagem publicada pelo jornal Folha de S.Paulo em agosto já havia mostrado que a meta de 8 milhões de matrículas só foi atingida graças aos 5,480 milhões de alunos que frequentaram os cursos mais rápidos de formação inicial e continuada.
Segundo o Ministério do Desenvolvimento Social, é na formação inicial e continuada que estão as 1,439 milhão de matrículas do Pronatec Brasil Sem Miséria. "Esses cursos são voltados a quem tem escolarização mais baixa. É raro termos um aluno do Bolsa Família matriculado diretamente em um curso técnico", diz Adriana Cardoso de Lima, do Senac-PR
Os dois cursos mais procurados do Pronatec, segundo a Folha de S.Paulo, foram de auxiliar administrativo e operador de computador, com 428.817 matrículas juntos.
À época da publicação, o MEC publicou nota dizendo que a matéria da Folha de S. Paulo "desqualifica a importância da educação profissional no país, ao não considerar a relevância dos cursos de qualificação profissional para a formação de milhões de trabalhadores brasileiros, bem como para o atendimento da demanda de mão de obra qualificada".
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