A comissão de juristas criada pelo Senado para elaborar o novo Código Penal aprovou ontem um anteprojeto que prevê, entre outros pontos, a ampliação dos casos em que o aborto é legal. Pela proposta, não é crime a interrupção da gravidez até a 12.ª semana quando, a partir de um pedido da gestante, o "médico ou psicólogo constatar que a mulher não apresenta condições de arcar com a maternidade".
Inicialmente, a ideia da comissão era propor que essa autorização fosse apenas dos médicos, mas acabou estendida aos psicólogos. Na prática, isso permite a realização do aborto mediante um parecer de um psicólogo. A alegação é que a medida protege mulheres em situação de muita fragilidade. Também não haverá punição em caso de aborto de fetos anencéfalos. A questão está em discussão no Supremo Tribunal Federal.
Atualmente, o Código Penal só não considera crimes os abortos feitos para salvar a vida da gestante e quando a gravidez resulta de estupro. Isso foi mantido, mas ainda foi incluída a liberação quando houver risco à saúde e não só "à vida" da mulher. Hoje, a pena é de um a três anos de reclusão para a mulher que faz um aborto.
Lei não inibe
Para os integrantes da comissão, as medidas não irão aumentar o número de abortos. A avaliação dos juristas é de que a criminalização não tem inibido a prática. "A ideia é tratar o aborto mais como questão de saúde pública, do que como uma questão policial", disse a defensora pública do Estado de São Paulo, Juliana Belloque, integrante da comissão. "Nenhuma mulher pratica aborto com prazer. É sempre difícil e doloroso", afirmou.
Um grupo de religiosos que acompanhava a audiência dos juristas criticou a decisão. Os manifestantes gritaram "assassinos" quando a proposta foi aprovada.
O anteprojeto deve ser entregue ao presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), em maio. Sarney deve submeter as propostas à avaliação das comissões da Casa. No Congresso, há uma forte resistência das bancadas religiosas a mudanças na legislação sobre aborto.
Outra medida aprovada pela comissão de juristas prevê a eutanásia nos casos em que o desligamento de aparelhos de um paciente com doença grave e irreversível for atestado por dois médicos, com consentimento do paciente ou da família. Pelo código atual, essa prática é homicídio, com pena entre 6 e 20 anos de prisão.
Projeto é uma "legalização branda", diz especialista
As propostas de mudança do Código Penal sugeridas pela comissão de juristas são vistas com desconfiança pela presidente do Instituto dos Advogados de São Paulo, Ivette Senise Ferreira. Para ela, reduzir a pena do aborto para a mulher que praticá-lo e autorizar que ele seja feito até a 12.ª semana de gestação desde que haja um laudo médico ou psicológico são maneiras brandas de descriminalizar o aborto. "É um passo para discutir a legalização do aborto", diz.
Com relação às outras propostas feitas pelos juristas, a advogada afirma que concorda só com o caso do aborto de fetos anencéfalos. "Os tribunais de Justiça já estão "legislando e autorizando esse aborto. Sou a favor que fique claro na legislação de que ele é permitido."
Membro do Instituto de Defesa do Direito de Defesa, Arnaldo Malheiros Filho, por sua vez, criticou o ponto da proposta que autoriza a interrupção da gravidez até a 12.ª semana diante de um laudo desde médico ou psicológico. "Você transfere o problema para um médico ou um psicólogo, o que não acho correto", afirma.
Já o professor da PUC-SP, Mauro Arjona, diz que essa mudança não deixa claro se o "arcar com a maternidade" inclui também a questão financeira. "Um psicólogo pode achar que uma mulher pobre não tem condições de ter um filho", analisou.
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