Contra o projeto
Cientistas atacam relatório
Agência Estado
Cientistas ligados à Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e à Academia Brasileira de Ciência (ABC) apresentaram ontem, na Câmara dos Deputados, em Brasília, argumentos contrários ao relatório do deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP) para alterar o Código Florestal.
As matas ciliares, assim como topos de morros e encostas inclinadas, são Áreas de Preservação Permanente (APPs) e não podem ser desmatadas. Os pesquisadores afirmam que as dimensões de preservação previstas na lei atual são insuficientes portanto, reduzi-las, como prevê a nova proposta, seria um "gigantesco ônus para a sociedade como um todo".
Segundo os cientistas, as APPs são "insubstituíveis" e importantes até mesmo para a produção agropecuária promovem serviços ambientais como a polinização, o controle de pragas, de doenças e de espécies exóticas invasoras. As APPs também têm papel relevante na atenuação de cheias, no condicionamento da qualidade da água e na manutenção de canais pela proteção de margens e redução do assoreamento, dizem eles.
A favor da mudança
Ruralistas querem agilidade
A bancada ruralista no Congresso quer aprovar o mais rápido possível o Novo Código Florestal. O substitutivo do deputado Aldo Rebelo foi aprovado na comissão especial da Câmara dos Deputados em julho de 2010 e ainda deve passar pelo Plenário da Casa e do Senado antes de seguir para a sanção da presidente Dilma Rousseff. A pressa dos ruralistas se justifica pelo prazo dado pelo Banco do Brasil para que os produtores averbem suas reservas legais a tempo de conseguirem financiamento. Após a data, que vence em junho, os proprietários podem ser multados.
A aprovação do projeto, porém, ainda é incerta. O governo sinaliza que enviará ao Congresso proposta alternativa ao Código, com mais concessões aos ambientalistas. Com receio de que a presidente ceda às pressões do Ministério do Meio Ambiente, a presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), senadora Kátia Abreu (DEM-TO), adotou um tom alarmista. De acordo com Kátia, a produção de alimentos pode ser prejudicada caso o projeto de lei não seja aprovado.
Atualmente, 90% dos produtores que ainda não averbaram a reserva legal são pequenos proprietários. Eles esperam a aprovação do projeto devido a uma mudança na lei que desobriga as pequenas propriedades, de até quatro módulos fiscais, da obrigação de manter reserva legal. (VP)
Centro de uma polêmica que dura mais de dez anos, o novo Código Florestal Brasileiro, que está para ser discutido no plenário da Câmara dos Deputados, traz uma mudança que pretende mexer com as estruturas dos órgãos ambientais estaduais. Caso aprovado como foi relatado pelo deputado federal Aldo Rebelo (PCdoB-SP), o substitutivo do Projeto de Lei 1.876/99 dará mais autonomia aos estados para decidir sobre questões ambientais importantes, como os limites das Áreas de Preservação Permanente (APP) e a regularização de reservas legais. A descentralização está causando discussões acirradas.Para defensores da ideia, a crescente autonomia dos estados é inevitável, já que o atual código, de 1965, não leva em consideração particularidades de cada estado. "Essa autonomia é muito bem-vinda. Você não pode ter a mesma legislação para estados tão diferentes como Paraná, Amazonas e Sergipe. No Nordeste, tem secas homéricas, e aqui, enchentes. Além disso, o Brasil tem seis biomas distintos, então não podemos tratar todos da mesma forma", diz o diretor da Federação da Agricultura do Estado do Paraná (Faep), Carlos Augusto Albuquerque.
O substitutivo de Rebelo concede autonomia ao poder público estadual para legislar sobre a distância mínima de proteção em relação a nascentes e cursos dágua e também sobre a liberação de áreas de encosta e topos de morro para o cultivo, além de critérios próprios de regularização (veja quadro). Para ruralistas, uma legislação nacional estrangula o setor e, em alguns casos, inviabiliza a produção de alimentos. Já os ambientalistas afirmam que é preciso haver limites mínimos a serem respeitados por todos os estados para evitar abusos.
Guerra ambiental
Para setores ligados ao movimento ambientalista, a autonomia, da forma como é proposta, tornará os estados mais vulneráveis às pressões dos ruralistas. Além disso, o movimento acredita que os órgãos estaduais não têm competência para legislar sobre o meio ambiente. "Os órgãos estaduais sofrem pressões de todo tipo. No Paraná, que é dominado pelo setor ruralista, não é raro haver pressões para que se amenize a fiscalização ambiental. Toda lei que venha incrementar e não entre em conflito com a Constituição e o Código [Florestal] é bem-vinda", diz o diretor da organização não governamental (ONG) Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental (SPVS), Clóvis Borges.
Além da pressão interna, os ambientalistas temem que a autonomia dos estados leve a um abrandamento da legislação e crie o que foi designado pela deputada federal Rosane Ferreira (PV-PR) de guerra ambiental, aos moldes da guerra fiscal. Para Rosane, com o intuito de atrair empresas do agronegócio, os estados tenderão a flexibilizar sua legislação ambiental. "As empresas vão acabar se instalando onde a legislação é mais condescendente", diz.
Para a deputada, a flexibilização, caso vire regra, pode inclusive passar uma mensagem errada, a de que a legislação ambiental mais rigorosa é a grande culpada pelo atraso de um estado em relação a outro. "O que atrasa o desenvolvimento e tira a competitividade da nossa produção são a falta de investimento em estradas rurais e em silos públicos e o valor alto do pedágio, não a legislação ambiental".
Para a engenheira agrônoma e técnica da Faep, Carla Beck, o receio dos ambientalistas não se justifica, uma vez que, no caso paranaense, a Lei da Mata Atlântica já fiscaliza e pune com rigor quem age de forma irregular e que os órgãos ambientais estaduais têm independência para atuar. "A União precisa do auxílio do estado. O Ibama do Paraná não tem condições de atuar sem o IAP [Instituto Ambiental do Paraná]".
Caso a caso
O professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e especialista em Direito Florestal Paulo de Tarso de Lara Pires, estudioso das legislações ambientais em vários países, afirma que estabelecer critérios que orientem as políticas ambientais em todo o território nacional é uma ideia retrógrada. "A descentralização é uma tendência mundial e é positiva, ainda mais em um país com dimensões continentais como o Brasil. Em estados como o Amazonas, onde o maciço florestal ainda é gigantesco, a política tem de focar na preservação".
O professor cita como exemplo o caso da Alemanha, um país avançado na área, onde cada região delimita sua área mínima de proteção para as margens dos rios de acordo com as particularidades da bacia hidrográfica. Um conselho gestor é responsável pela análise dos rios, e leva em consideração a declividade, o uso do entorno e a qualidade do curso dágua e do solo. "Hoje, nós temos condições técnicas de analisar tudo isso e definir esses limites caso a caso", afirma Pires.
Já em relação à liberação de topos de morros e terrenos íngremes para o plantio, Pires afirma que o que deve mover os estados é o bom senso, a depender, mais uma vez, da análise das particularidades de cada região. No caso de regiões que tradicionalmente plantam em áreas de declive, como a uva no Rio Grande do Sul, deve ser dada a liberação. Já o cultivo de banana na Serra do Mar paranaense, por exemplo, mesmo consolidado, deve ser proibido, já que esse é o único remanescente de Mata Atlântica no estado.
Para o professor, o discurso de produtores de que são necessárias mais áreas para o cultivo de alimentos não se sustenta. "O problema não é a produção, mas a distribuição de alimentos. Já estamos até exportando alimentos, como podemos ter problemas de produção?", questiona.
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