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Direito Digital

Proposta do novo Código Civil inclui regulação da internet brasileira com “padrão Moraes”

ALEXANDRE DE MORAES SAUDOSISMO SENADO
Alexandre de Moraes visita o Senado ao lado de Rodrigo Pacheco, presidente da Casa. (Foto: Geraldo Magela/Agência Senado)

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As propostas presentes no livro sobre Direito Digital do anteprojeto do novo Código Civil, que deve começar a tramitar como projeto no Senado em breve, podem consagrar em lei as ideias sobre controle do discurso nas redes sociais defendidas por Alexandre de Moraes, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF).

Os juristas responsáveis pelo texto, convocados pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), incluíram um inédito livro sobre Direito Digital no anteprojeto, o que poderia tornar o Brasil um caso único no mundo.

Geralmente, temas relacionados ao mundo digital são incluídos em leis especiais, e não no Código Civil, que é documento reconhecido por sua estabilidade normativa, em que raramente se dispõe sobre assuntos ainda em discussão na sociedade.

O relatório foi entregue ao Congresso em cerimônia no dia 17 de abril, com a simbólica participação de Moraes como convidado especial. Se aprovado tal como está, obrigaria as plataformas a agirem mais proativamente na remoção de conteúdos considerados ilícitos.

As propostas para o novo livro praticamente sepultariam o Marco Civil da Internet, que acaba de completar sua primeira década e foi discutido amplamente pela sociedade por cerca de sete anos antes de ser sancionado, em 2014. Como mostrou a Gazeta do Povo, Pacheco está trabalhando por uma aprovação acelerada do novo Código Civil, documento que vem sendo discutido há menos de um ano por somente alguns membros da elite jurídica brasileira, e no qual o Direito Digital é apenas um dos diversos temas.

O novo Código poderia se sobrepor ao Marco Civil em diversas questões importantes, a começar por seu âmbito de aplicação. Os autores do relatório definem como propósito do livro sobre Direito Digital "apontar critérios para definir a licitude e a regularidade dos atos e das atividades que se desenvolvem no ambiente digital". Em grande medida, o escopo do Marco é justamente esse. O relatório também propõe acabar com o artigo 19 do Marco Civil, que determina a necessidade prévia de ordem judicial para que uma rede social seja obrigada a remover um conteúdo ilícito.

A advogada Karina Nunes Fritz, professora da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (EMERJ) e doutora pela Universidade Humboldt de Berlim, ressalta que o Código Civil "requer tempo de maturação" e não é o documento apropriado para regular fenômenos tão novos quanto os relacionados ao contexto digital.

"Questões novas, sobre as quais ainda não há consenso na comunidade científica, devem ficar de fora do Código Civil e ser reguladas exclusivamente em leis especiais, que são mais fáceis de ser modificadas do que os grandes códigos. Todas as questões de Direito Digital, inclusive a regulação das plataformas, devem ser objeto de lei especial", afirma.

Mesmo sendo favorável à remoção do artigo 19 do Marco Civil, Karina considera que o âmbito adequado a essa discussão não é um novo Código. "Ainda há muita polêmica em torno dessas questões e muitos consensos ainda precisam ser formados e testados antes de ganhar status de matéria codificada. É o caso da responsabilidade das plataformas pela moderação de conteúdo e a forma como isso deve se dar. Veja que o Congresso acabou de arquivar o chamado PL das fake news. Se nem conseguimos aprovar isso, não faz sentido jogar essa matéria no Código Civil", afirma.

Para o advogado Venceslau Tavares Costa Filho, professor de Direito Civil da Universidade de Pernambuco, a remoção do artigo 19 seria um equívoco. Segundo ele, há consenso no meio jurídico sobre uma "zona de certeza positiva" sobre fatos como induzimento ao suicídio, propagação de terrorismo e outros crimes; nesses casos, para o jurista, não deveria ser necessária a decisão judicial para retirada postagem.

"O problema é que existem questões que são subjetivas. Por exemplo, a questão da liberdade de expressão: às vezes, a crítica, por mais que seja dura, é necessária. Nesse ponto, submeter essa decisão a um crivo do Judiciário é importante e necessário para a proteção da liberdade de expressão, especialmente falando da atividade jornalística", comenta.

"Jornais que postam certos materiais podem ter suas publicações removidas das redes sociais pelos provedores mediante simples solicitação dos interessados. Seria uma decisão preocupante. Então, em vez de simplesmente revogar, acho que deveriam aperfeiçoar o mecanismo do artigo 19 do Marco Civil da Internet, e não abrir a possibilidade para pedido de remoção em uma variedade de situações, o que realmente geraria insegurança muito grave", acrescenta.

A reportagem da Gazeta do Povo entrou em contato com a Meta, empresa dona de Facebook, Instagram e WhatsApp, e com o Google para questionar sobre como devem agir em relação à tramitação da proposta do novo Código Civil. Em caso de resposta, o posicionamento das empresas será incluído nesta reportagem.

Jurista critica inclusão de "neurodireitos" e obrigação de testamento para garantir herança digital no novo Código Civil

O relatório da comissão de juristas inclui no Código Civil uma área da tecnologia que ainda está dando seus primeiros passos: a neurotecnologia. Um âmbito do Direito ainda em gestação na academia, o do neurodireito, poderia entrar no Código Civil brasileiro em breve.

O documento aborda tópicos como o direito "à privacidade mental", "à liberdade cognitiva", "à privacidade mental", além do "acesso justo à ampliação ou melhoria cerebral".

A preocupação com as neurotecnologias tem sido levantada por alguns acadêmicos do Direito, especialmente diante da ameaça de que empresas de tecnologia usem seus recursos, entre outras coisas, para decifrar as ondas cerebrais das pessoas, invadindo sua privacidade ou usando dados para influenciá-las.

Por outro lado, avanços na área permitem tratamentos médicos inovadores, ajudando pessoas que perderam certas funções cerebrais a recuperá-las. Há, nesse ponto, um dilema entre a importância humanitária de certos avanços e as preocupações éticas envolvendo as ideias do transumanismo (leia mais sobre o tema aqui). Toda essa discussão, no entanto, está apenas começando, e a inclusão do tema no Código Civil, para Karina Nunes Fritz, é precipitada.

"Nem mesmo a comunidade jurídica sabe ao certo o que são 'neurodireitos'. Esse é um tema novíssimo, que está sendo discutido a passos lentos no Brasil. O que sabemos no momento é que a expressão 'neurodireitos' expressa a preocupação com o risco concreto de que a tecnologia seja usada para manipular indevidamente o poder das pessoas de tomar decisões de forma autônoma e consciente", observa.

De acordo com a jurista, embora o tema do "direito à inviolabilidade do cérebro e do espírito humano" seja importante, o Código Civil não é seu lugar. "Estamos apenas engatinhando nessas discussões. O próprio conceito de neurodireitos, constante do anteprojeto de reforma do Código Civil, pode se mostrar ultrapassado ou insuficiente daqui a seis meses", diz. "É importante regular o uso de tecnologias que interfiram no funcionamento cerebral, mas em lei especial, não no Código Civil."

A jurista também vê problemas no tratamento que o anteprojeto dá ao tema da herança digital. Em um de seus artigos, o livro sobre Direito Digital dispõe que "serão excluídas as contas públicas de usuários brasileiros, quando, falecidos, não deixarem herdeiros ou representantes legais, contados 180 (cento e oitenta) dias da comprovação do óbito".

Karina Nunes Fritz afirma que, caso essa proposta seja aprovada, o Brasil seria o único país do mundo impondo a obrigação de testamento digital como condição para os familiares terem acesso à herança digital. Para ela, deve prevalecer no contexto digital a regra da "transmissibilidade plena", como ocorre no mundo real, a menos que o usuário impeça a transmissão dos bens digitais.

"Se não houver esse pedido, vigora o princípio da sucessão universal, que é um princípio vigente no direito no mundo inteiro. É uma tradição cultural da humanidade. O único herdeiro que a lei prevê é a família", ressalta. "A comissão criou a regra da intransmissibilidade, que obriga a pessoa a fazer testamento. Desde quando somos obrigados a fazer testamento, seja no Brasil ou em qualquer lugar do mundo? Deixar o conteúdo com as Big Techs seria uma aberração, porque estaríamos criando a figura do 'Facebook herdeiro' no Direito brasileiro, como costumo brincar com meus alunos", acrescenta.

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