Rafael Muneratti (com toga da cordão verde), assiste ao julgamento que descrminalizou o porte de maconha para consumo, no plenário do STF| Foto: SCO/STF
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O defensor público de São Paulo Rafael Muneratti deixou o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), na última quarta-feira (26), expressando satisfação pela decisão que descriminalizou o porte de maconha para consumo pessoal. Foi ele quem representou, na Suprema Corte, o presidiário Francisco Benedito de Souza, flagrado em 2009, em sua cela na cadeia de Diadema (SP), com uma trouxinha contendo 3 gramas de maconha.

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No ato da apreensão, Francisco assumiu que era dono da droga e que a guardava para uso próprio. Nesta semana, 9 anos após o início do julgamento de seu recurso no STF, ele foi absolvido da pena de prestação de dois meses de serviços à comunidade pelo delito.

Mas para Muneratti, usuários de outras drogas também devem se livrar das penas. À Gazeta do Povo, o defensor afirmou que, a partir da observação dos resultados do julgamento do STF, haverá subsídios para descriminalizar o porte, para consumo pessoal, de outros entorpecentes.

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“Não vai ter gente zumbi na rua fumando maconha, não vai acontecer nada daquilo que o pessoal contrário à descriminalização disse que ia acontecer”, diz. “A gente tem que sedimentar o caso da maconha, colher os resultados disso e nos municiarmos de dados, de pesquisas de tudo o que vai acontecer daqui para frente. E daqui um tempo, começar de novo, trazer aqui para o Supremo de novo essa experiência da descriminalização da maconha, para tentar ampliar para as demais drogas também, sempre com relação ao usuário.”

No recurso apresentado ao STF, em 2011, o pedido da Defensoria Pública de São Paulo foi pela descriminalização do porte para consumo de todas as drogas. Assim também havia votado inicialmente Gilmar Mendes, relator da ação, em 2015. Só depois, por influência de Edson Fachin e Luís Roberto Barroso, ele reajustou o voto para limitar-se à cannabis.

Na decisão, embora tenha descriminalizado o porte para uso pessoal, o STF não retirou o caráter ilícito da maconha. Por isso, se uma pessoa for flagrada na rua fumando, terá a droga apreendida, será levada para uma delegacia e um juiz poderá determinar que compareça a um curso educativo e lhe dará uma advertência sobre os malefícios.

Muneratti, por sua vez, é favorável não apenas à descriminalização, mas também à legalização da maconha, o que permitiria o cultivo, a produção e a comercialização da droga sob supervisão estatal. Seu argumento é o mesmo de outros ativistas pró-cannabis: o de que a clandestinidade só favorece o crime organizado, que monopoliza o fornecimento.

“Você vai estar comprando uma maconha de origem conhecida. Você vai estar comprando uma maconha que gera emprego formal, que gera imposto para o governo, que não vai te fazer mal como a do traficante e você vai tirar esse dinheiro do tráfico. Quem puder comprar na farmácia, vai comprar na farmácia, não vai na boca de tráfico, pegar de traficante”, afirma.

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Ele não leva em conta, porém, que a legalização não impede o tráfico, que continua fornecendo o produto a preços mais baixos por não recolher impostos. É o caso por exemplo do contrabando de cigarros, que são legais mas representam um dos principais produtos de contrabando no país.

Descriminalização é parte de uma estratégia, diz secretário antidrogas do governo Bolsonaro

Opositores da descriminalização já alertavam, muito antes da conclusão do julgamento sobre a maconha, que esse seria, de fato, um primeiro passo do movimento pró-legalização. É o que diz o médico psiquiatra Quirino Cordeiro, que entre 2019 e 2022, no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, ocupou o cargo de secretário nacional de Cuidados e Prevenção às Drogas.

“Existe uma marcha em curso. Essa descriminalização da maconha, sem dúvida alguma, é uma ponta de lança. Por conta de declarações e posicionamentos, há ministros do STF favoráveis à redução do controle das substâncias psicoativas. A gente pode estar diante de uma marcha para algo maior. Se a sociedade não reagir, os próximos passos vão acontecer. Dificilmente se consegue legalizar todas as drogas, mas não tenho dúvida que é objetivo final. Mas há necessidade de ser passo a passo, para que reação da sociedade não seja tão contundente, é uma estratégia. A sociedade tem que ficar atenta para brecar essa marcha”, diz Cordeiro.

Para ele, apesar de avançar no Congresso a proposta de emenda à Constituição 45/2023, que criminaliza a posse e o porte de drogas, independentemente da quantidade, há outras frentes, no próprio Legislativo e na Anvisa, para legalizar e regulamentar o cultivo da cannabis. Na Câmara, tramita o Projeto de Lei 399/2015. Originalmente concebido para “viabilizar a comercialização de medicamentos que contenham extratos, substratos ou partes da planta Cannabis sativa em sua formulação”, ele foi substancialmente alterado, em 2021, para ampliar a permissão da produção de maconha para diversos produtos à base da planta.

Ele conta que, nos quatro anos que trabalhou no governo federal, batalhou não apenas no STF – para evitar a conclusão do julgamento – mas também no Congresso e na Anvisa para brecar essas iniciativas. A diferença para ele é que, agora, o atual governo não se opõe à pauta.

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“No governo Bolsonaro, atuamos de maneira muito firme junto ao STF, junto ao Legislativo, junto à Anvisa, e acabamos conseguindo êxito, porque não foi liberado o plantio de maconha. Infelizmente hoje isso não acontece no governo do presidente Lula. Vários membros do governo, inclusive, têm posição favorável à descriminalização. É uma questão muito importante, porque a participação do Executivo em todas essas frentes é muito importante. A gestão do presidente Lula criou clima favorável para a decisão do STF”, diz.

Cordeiro diz que a decisão do STF aumentará o consumo da maconha, causando males não apenas para o usuário, mas para a sociedade, na saúde e na segurança pública. “O sistema de saúde mental já é fragilizado no país e, com o aumento do consumo, crescerá a dificuldade para atendimento das pessoas. Na segurança, países que flexibilizaram, como o Uruguai e alguns estados americanos, viram um aumento na taxa de crimes, tanto que alguns estão voltando atrás, como o Oregon”, afirma.

Quanto ao uso pessoal, ele alerta para os malefícios da maconha. “Um usuário crônico de maconha tem síndrome amotivacional, dificuldade de se engajar em tarefas, e aumenta em muito o risco de transtornos mentais, como esquizofrenia, depressão e ansiedade. O uso crônico ainda impacta o desempenho cognitivo, leva a redução do quociente intelectual. É extremamente negativo para a saúde mental”, afirma o psiquiatra.