| Foto:

Dezembro é mês de festas, jantares, coquetéis. São situações sociais que minha timidez às vezes tem de enfrentar. Antes de tudo é a própria timidez, que vem de berço, que se deve vencer – essa desbastei na marra, primeiro trabalhando em teatro, o que é mortal para nosso medo do ridículo, e depois dando aulas, exposto como um tomate de feira, avaliado em cada gesto, palavra e escorregão por 40 pares de olhos. Isso mata, mas sobrevivi.

CARREGANDO :)

Num caso e noutro, era a simples sobrevivência que estava em jogo. No teatro de adolescente, escapava da timidez pelo espírito da catarse, que era o mantra do tempo – nas trevas da emoção, esquecemos do olhar dos outros. Em geral é mau teatro, mas funciona. Quando você acorda, já terminou o suplício. Na sala de aula usei a técnica contrária: nenhuma catarse, ordem e método, horário rígido, pouca intimidade, encastelado em mim mesmo como um jabuti. Também funciona – aluno gosta de disciplina, quando bem medida. Acho que parei de dar aulas no momento certo.

De outras situações públicas, vou escapando como posso, com a gentileza possível dos pequenos ogros. No Japão, participei de um jantar fantástico em torno de uma mesa redonda que girava com uma sequência de maravilhas de sabor – o único problema foi sentar no chão e ali ficar; fiz alongamento que valeu por um ano, e cada vez que o nervo ciático me manda uma mensagem me lembro daquele desfile refinado de camarões e temperos, o que é sempre um consolo. Jantares formais à ocidental são interessantes, ao menos pelo descanso das cadeiras, mas costumo entrar em pânico com a distribuição dos lugares – raras vezes levo sorte.

Publicidade

O mais difícil, entretanto, são os coquetéis, em que a lei do encontro ao acaso, submetida ao jugo da timidez, esbarra com a falta de assunto e de assentos e, agora sim, sob a inconveniência brutal de sentar no chão. Não há saída – e, no entanto, coquetéis são eventos que desde o início parecem nos convidar a ir embora.

Nunca se vê um lugar para sentar e, quando existe uma poltrona, o "overbooking" é assustador. As pessoas se agrupam como peixes num aquário, dando voltas sem sentido aqui e ali – súbito você balança a cabeça compreensiva para a descrição minuciosa de um vazamento de banheiro e, mudando de grupo, ouve detalhes escabrosos da crise grega.

Para compensar, há os salgados e doces que circulam, assim como bandejas de refrigerantes e vinhos, mas a alimentação é tensa. Se você pega uma empadinha, ela vai quebrar na sua mão; azeitonas deixam caroços entre os dedos, assim como os palitos, que acabam disfarçadamente no bolso. O pior de tudo, para mim: nunca servem cerveja nos coquetéis, o que poderia alegrar meu breve tormento. Tudo de propósito contra a felicidade: ninguém aguenta muito aquele vinho, enquanto a perigosa cerveja estimularia a permanência.