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Profissionais voluntários têm prestado atendimentos aos casos de depressão mais urgentes entre os presos do 8/1 e alertam para risco de “suicídio em massa”
Profissionais voluntários têm prestado atendimentos aos casos de depressão mais urgentes entre os presos do 8/1 e alertam para risco de “suicídio em massa”| Foto: Reprodução/Redes sociais

“Um dos meus pacientes amarrou uma corda no teto da garagem e afirma que vai usá-la quando a polícia chegar para prendê-lo novamente”, relata a psicanalista Luciane Lober de Souza, em entrevista à Gazeta do Povo. Segundo ela, o homem tem 43 anos, foi preso durante os atos do 8 de janeiro de 2023 e passou sete meses no Complexo Penitenciário da Papuda.

“Agora lida com Transtorno de Estresse Pós-traumático (TEPT) e, mesmo apresentando melhora, a corda continua lá”, relata a especialista.

Outra paciente atendida por ela é uma enfermeira de 53 anos, presa em frente ao Quartel-General do Exército de Brasília, que passou dois meses na Penitenciária Feminina do Distrito Federal. “Ela está com depressão profunda, de cama e tentou tirar a própria vida.”

Em apenas duas sessões que teve até esta segunda-feira (23), a paciente relatou diversas humilhações que sofreu desde o momento em que entrou nos ônibus com a promessa de ir para casa até a saída da prisão.

“E uma das situações mais humilhantes que relatou foi o fato de ter desentupido o vaso sanitário da penitenciária com as próprias mãos porque não lhe deram nada para usar”, descreve a psicanalista, ao citar ainda que a mulher chegou a pedir um vermífugo para evitar doenças após a situação, mas foi alvo de deboche. “Ela disse que chorou muito naquele dia.”

De acordo com Luciane, esses são apenas alguns dos inúmeros casos que tem atendido como especialista voluntária da Associação dos Familiares e Vítimas do 8 de Janeiro (Asfav). Ao todo, a entidade atende cerca de 400 associados atualmente, com possibilidade de acompanhamento psicológico, auxílio financeiro e cursos para restabelecimento dessas pessoas no mercado de trabalho.

“Eles estão com bens bloqueados, perderam emprego, e muitas famílias têm passado fome”, afirma a especialista de Jaguariúna-SP, ao relatar o caso de um paciente que só tinha água na geladeira. “Isso é tortura psicológica, assim como acontecia na época de Hitler”, aponta.

Para o neuropsicólogo Otávio Augusto Cunha Di Lorenzo, de Ipatinga- MG, há diversas similaridades entre a situação psicológica dos presos do 8 de janeiro e os indivíduos que foram confinados em campos de concentração durante a Segunda Guerra Mundial.

“Inclusive, o psiquiatra e psicólogo austríaco Viktor Frankl foi um sobrevivente na época e fala sobre o sentimento de descrença que fez com que muitas daquelas pessoas tirassem a própria vida”, alerta Lorenzo, ao citar o livro “Em Busca de Sentido”, de 1946.

“Nessa publicação, o autor conta que surgiu uma notícia dentro dos campos de concentração de que aquilo iria acabar no Natal, mas o Natal chegou e a situação não mudou”, relata o neuropsicólogo, ao afirmar que a falta de fé foi tomando conta do ambiente, levando muitos ao suicídio.

“Na semana entre o Natal de 1944 e o Ano-Novo de 1945, irrompeu uma mortandade jamais vista anteriormente no nosso campo de concentração”, diz trecho do livro de Viktor Frankl. “O médico-chefe foi de opinião de que as causas da mesma não estavam num agravamento das condições de trabalho ou de alimentação, ou numa eventual alteração climática ou mesmo novas epidemias”, continuou o escritor.

Para Lorenzo, que atende diversas pessoas presas devido aos atos do 8/1, há o mesmo sentimento de descrença entre esses pacientes, e o risco de atentarem contra suas vidas é real. “Há um sentimento de injustiça muito grande, e medo de morrer na cadeia porque são, em sua maioria, idosos que temem viver novamente o pesadelo da prisão.”

De acordo com o especialista, os pacientes relatam terem sofrido tortura por diversos aspectos porque dormiam no chão, passavam fome devido às condições da alimentação e, no caso das mulheres, “ficaram na mira de uma metralhadora quando Alexandre de Moraes chegou para conversar com elas”, relata. “Uma mulher até se urinou, de joelhos, então a dignidade humana dessas pessoas está muito ferida.”

Além das situações vividas no cárcere, Lorenzo afirma que as medidas cautelares impostas aos presos, alguns por quase um ano, também configuram tortura psicológica e têm causado sofrimento ao privar famílias de terem o básico para sobreviver. “Cheguei a falar para um paciente me passar o Pix dele porque não tinha nada em casa para seus filhos comerem, já que estão com as contas bloqueadas e não conseguem emprego devido à tornozeleira”.

Outro fato, de acordo com o psicólogo, é o constrangimento causado pelo uso do dispositivo eletrônico, pois muitos tratam essas pessoas como criminosos comuns.

“E, infelizmente, também há situações como a de um senhor que eu atendo, que perdeu o filho de infarto enquanto estava preso pelo 8/1”, relata Lorenzo, ao explicar que, além desse idoso lidar com a carga emocional devido aos fatos vivenciados na prisão, ainda precisa enfrentar o luto. “A situação dessas pessoas é grave, com sintomas de depressão e ansiedade, e o diagnóstico pode piorar.”

A busca pelo atendimento psicológico

Por isso, ele orienta parentes e amigos a prestarem atenção às alterações de comportamento, já que os primeiros sintomas da depressão estão relacionados à desesperança, mudança de humor e tristeza com duração de uma semana ou mais.

“Fique atento se o indivíduo começar a perder a esperança de ver seus filhos e netos crescerem ou se disser que está se sentindo perdido, ‘sem chão’ por não conseguir um emprego e ter dificuldades para manter o próprio sustento.”

Além disso, Lorenzo afirma que é preciso buscar ajuda urgente ao ouvir qualquer fala sobre intenção de suicídio. “Aquele ditado de que ‘quem fala não faz’ é falso, pois muitas pessoas que tiraram a própria vida disseram e sinalizaram isso antes”, alerta o especialista, ao indicar atendimento psicológico para todos que já foram julgados ou que estão aguardando o fim do processo relacionado ao 8/1. “É uma pressão muito grande.”

Como associar-se à Asfav para receber atendimento ou atuar como voluntário

A Associação dos Familiares e Vítimas do 8 de Janeiro (Asfav) oferece esse atendimento gratuitamente por meio de parcerias com profissionais voluntários. Por isso, a entidade convida essas pessoas para se associarem por meio do preenchimento do formulário online, sem custo.

A entidade também convida interessados a se cadastrarem como voluntários, já que existe espaço para diversas áreas, como assistentes sociais e psiquiatras, por exemplo. “Lembrando que também é possível colaborar divulgando o trabalho da associação nas redes sociais, apresentando ofertas de emprego para os presos do 8/1 ou auxiliando financeiramente as famílias”, informa Jaqueline Vetter, secretária da Asfav. O Pix da associação é o CNPJ 51.546.913/0001-49.

Assistência psicológica na prisão

Em nota enviada à Gazeta do Povo, a Secretaria de Estado de Administração Penitenciária do Distrito Federal (Seape) informou que todo custodiado tem acesso a psicólogos, psiquiatras e outras especialidades dentro do presídio. No entanto, o órgão não citou a quantidade de atendimentos que foram realizados com presos do 8/1.

Segundo dados do Supremo Tribunal Federal (STF) divulgados pela Gazeta do Povo , foram presas 243 pessoas dentro dos prédios públicos e na praça dos Três Poderes dia 8 de janeiro, e outras 1.927 foram conduzidas à Academia Nacional de Polícia pelo Exército e pela Polícia Militar (PM) no dia 9. Dessas, 775 foram liberadas e 1.152 permaneceram presas.

Atualmente, 17 pessoas seguem no Complexo Penitenciário da Papuda, onde o lanterneiro e pintor Claudinei Pego da Silva, de 42 anos, está na ala psiquiátrica. Morador de Minas Gerais e provedor de quatro filhos, ele tentou suicídio dentro da cela no dia 9 de dezembro. O homem já teve parecer da Procuradoria-Geral da República (PGR) favorável à soltura, mas o pedido foi negado pelo ministro Alexandre de Moraes.

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