Curitiba O PT continua dividido como sempre. A reeleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mesmo após as denúncias de corrupção no seu governo e no partido, aliviou os ânimos dos petistas mais exaltados. Mas os dilemas continuam, verdadeiros abacaxis que, após a corrida eleitoral, começam a ser descascados nos bastidores.
O governo de coalizão que está sendo formado por Lula e outras legendas é um teste para o poder de adaptação do PT, partido marcado desde a sua formação por cisões provocadas por radicais socialistas, que deram origem a outros partidos como o PSTU ou o PSol. Nesse mandato, o PT terá de conviver com o grupo que o presidente pretende incluir no governo em troca de apoio político no Congresso, estados e municípios. A meta principal de todos os que assumirão cargos federais, segundo o slogan oficial, é a de lutar por "ideais que possam melhorar a vida dos brasileiros": as esperadas reformas política e tributária, o crescimento econômico de 5% ao ano, a manutenção do Bolsa-Família, a renegociação da dívida dos estados, a diminuição dos gastos federais, o fortalecimento da federação e a criação de um conselho político de fiscalização do governo.
"Nessa união de partidos, a tendência do PT nos dois primeiros anos desse mandato é de união a Lula. É interessante lembrar que no passado, mesmo tendo sido glorificado pelo partido, Lula nunca passou de uma figura carismática, mas ausente nas grandes decisões. No primeiro mandato, os homens-fortes eram pessoas como José Dirceu e José Genoíno. Dessa vez, com certeza, o presidente terá peso maior nas decisões do partido", analisa Fernando Abrucio, cientista político e professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e da Fundação Getúlio Vargas (FGV).Liderança
Outro imbróglio do partido é a indefinição em relação à presidência do PT. Com a saída do deputado federal Ricardo Berzoini (SP), que pediu licença do cargo após a denúncia do seu envolvimento na compra de um dossiê contra candidatos tucanos com R$ 1,75 milhão em dinheiro, assumiu o vice, Marco Aurélio Garcia, um nome sem nenhuma expressão partidária. Como Berzoini ainda não foi absolvido da trama, cujas investigações esfriaram e não devem chegar ao fim em 2007, cresce a tese da necessidade de antecipar as eleições do Diretório Nacional, de 2008 para 2007. A decisão deve sair em julho de 2007, quando ocorre o congresso nacional do partido.
E a briga pela liderança interna será tão acirrada quanto a atual negociação sobre a presidência da Câmara dos Deputados. Na lista de opções, não devem ser esquecidos governadores eleitos, como Marcelo Deda, em Sergipe, e Jacques Wagner, na Bahia, ou o ex-governador do Acre, Jorge Viana, atualmente cotado para assumir algum Ministério, e até Arlindo Chinaglia, deputado federal reeleito e um dos concorrentes na disputa pela presidência da Câmara. Não devem mover corações personalidades como o atual ministro das Relações Institucionais, Tarso Genro, o próprio Garcia ou Luiz Dulci, secretário-geral da Presidência. O objetivo final da decisão é a tentativa de obter alguma articulação forte na difícil eleição presidencial de 2010, a primeira que Lula não vai participar depois do fim da ditadura militar, sem deixar herdeiros.
"Nesse sentido, um desafio do PT será reajustar uma direção ainda muito paulista, até por causa da origem do partido. O PT que saiu das urnas nas últimas eleições é um partido mais nacional, vai ter de haver uma acomodação interna. E Lula terá um papel muito grande nisso, mas não acredito em uma subserviência. Nesse segundo mandato o PT amadureceu e não vai se confundir com o governo, como aconteceu no primeiro", afirma Américo Freire, historiador do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil da FGV. Identidade
O PT também tem pela frente a tarefa de limpar sua imagem dos erros passados. "A crise essencial do PT é o fato de ter perdido a imagem de partido do povo, progressivo, ético, alternativo", considera Fernando Massote, cientista político e professor na Universidade Federal de Minas Gerais, autor do livro A história pela metade, cenários de política contemporânea. Nesse cenário, na opinião de Massote, é preciso reestruturar inclusive o papel dos movimentos sociais. "O MST (Movimento dos Trabalhadores Sem-terra), por exemplo, perdeu sua autonomia estratégica e é agora muito mais um instrumento do governo do que uma força capaz de fazer pressão e movimentar as políticas públicas para as questões sociais", critica.
Para o secretário-geral do PT, Raul Pont, derrotado por Berzoini nas últimas eleições internas do partido, o congresso do partido em julho será significativo para responder a todas essas questões. "Tivemos uma reunião com Lula na semana passada, que reafirmou as posições sociais do partido. Lula nos disse que, se o povo nos deu uma segunda chance depois da crise, nós temos de dar oportunidade para que a população participe mais do governo. E também fazer as reformas essenciais para o país, como a reforma política", revela. É ver para crer.