O primeiro livro escrito e impresso no Brasil não é uma obra literária, nem um documentário ou biografia. Foi um relato, na verdade, bastante simples apesar das 60 páginas sobre a vinda do frei Antônio de Desterro Mallheyro de Lisboa, em 1747, ao Rio de Janeiro onde se tornou bispo. "Naquela época, a troca de um bispo era um grande evento. E, como António Isidoro da Fonseca tinha uma tipografia, resolveu relatar a chegada do novo bispo e publicar o material em um livro", afirma o historiador Aníbal Bragança, um dos organizadores do livro recém-lançado Impresso no Brasil: dois séculos de livros brasileiros.
A iniciativa de Fonseca é tida como o início da história da publicação de livros no Brasil. Apesar disso, há estudiosos que defendem que o país começou a editar e publicar livros bem antes, mas não há nenhuma comprovação. Há quem afirme que o Conde de Nassau buscou fazer no Recife, durante a ocupação holandesa, um modelo de tipografia por lá. "A ideia existiu, mas pelos registros nos parece que ela nunca foi concretizada", comenta Bragança.
Outros pesquisadores afirmam que a tipografia passou efetivamente a existir no Brasil 61 anos depois, em 1808, com a chegada da Corte portuguesa. "A questão é que Isidoro [da Fonseca] não é tido como editor oficial porque logo que publicou o livro e, depois uma tese, teve de fechar a editora porque estava ilegal", explica Bragança. Fonseca teve problemas com a inquisição porque, em Portugal, publicou um livro sobre judeus. Ele veio ao Brasil sobre a proteção do bispo Mallheyro mas, em 10 de maio de 1747, uma Resolução do Conselho Ultramarino e uma Ordem Régia colocaram fim nas primeiras letras impressas no Brasil. "O regime de Portugal, durante todo o Brasil Colônia, asfixiou a manifestação do pensamento por meio da palavra impressa", escreveu Bragança no livro.
Leitores
Já a formação do público leitor se deu ainda antes. Bragança afirma que, durante o século 18, o Rio de Janeiro já tinha leitores principalmente por causa da exploração de ouro em Minas Gerais, que atraiu pessoas de diversos outros lugares, inclusive portugueses. Esse público era abastecido por pelo menos 15 livreiros que viviam no Rio de Janeiro e chegaram a pedir à Corte, na segunda metade desse século, para criar uma associação de livreiros. "Essas descobertas nos ajudam a pensar como foi a formação do público leitor no Brasil", afirma o historiador.
Os livreiros do Rio de Janeiro eram abastecidos por editoras de outros países, principalmente de Portugal, de onde vieram livros feitos especialmente aos brasileiros pela Casa Literária do Arco do Cego. Um deles se chamava O fazendeiro do Brasil. Era um conjunto de 11 livros que pareciam uma enciclopédia de técnicas avançadas de agricultura e negócios. "Ensinava, por exemplo, como cultivar diferentes produtos que poderiam ser vendidos à Europa. Havia a preocupação de editar livros atraentes para o leitor, com conteúdos fáceis de ler e muita ilustração", comenta.
Os livros técnicos não ensinavam apenas a plantar até porque isso era um aprendizado que se passava de pai para filho. Na verdade, eles mostravam o que havia de novo no mercado, o que, de certa forma, ajudou a colônia brasileira a se desenvolver. "A editora Arco do Cego também publicou livros que formavam técnicos em tipografia. Havia essa preocupação porque faltava mão de obra nessa área."
A editora Arco do Cego funcionou de 1799 a 1801. Atuou justamente no período que o Brasil ficou sem tipografia, depois de Fonseca ter sido proibido de imprimir. E fechou um pouco antes de a Impressão Régia chegar ao país. Ela foi criada sobre a proteção do ministro de Estado da Marinha e Negócios Ultramarinos, dom Rodrigo de Sousa Coutinho. Ele era afiliado do Marquês de Pombal.
Outra curiosidade é que a tipografia Arco do Cego foi comandada por um naturalista brasileiro, o frei José Mariano da Conceição Veloso. Ele lançou o livro Florae fluminensis, que retratava a flora e a fauna principalmente da então província do Rio de Janeiro.