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Conceito equivocado

Quais os riscos de classificar os atos de vandalismo aos Três Poderes como terrorismo

Quais os riscos de classificar os atos de vandalismo dos Três Poderes como terrorismo
Desde domingo (8), data dos violentos protestos, autoridades e parte da imprensa têm atribuido erroneamente aos atos o rótulo de "terrorismo" (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

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Logo que tiveram início os episódios de vandalismo e depredação das instalações do Congresso Nacional, Palácio do Planalto e Supremo Tribunal Federal (STF), parte da imprensa e algumas autoridades passaram a classificar os atos como terrorismo. Nas horas e nos dias seguintes ao ocorrido, o uso da palavra “terroristas” foi usado repetidamente para classificar os manifestantes, inclusive na nota conjunta de repúdio aos ataques assinada pelo presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e pela presidente do STF, Rosa Weber.

Igualmente, ministros do Supremo passaram a reforçar o uso do termo nas redes sociais e em declarações públicas. Na noite de domingo (8), ao publicar sobre os atos de vandalismo, o ministro Luís Roberto Barroso disse: “O terrorismo é a vitória do mal e do crime disfarçados de ideologia. Dia de luto para as pessoas de bem de qualquer credo político. A Justiça virá”.

Alexandre de Moraes foi outro a endossar o emprego da palavra. “Os desprezíveis ataques terroristas à Democracia e às Instituições Republicanas serão responsabilizados, assim como os financiadores, instigadores, anteriores e atuais agentes públicos que continuam na ilícita conduta dos atos antidemocráticos”, tuitou o ministro.

Mas apesar da violência empregada nos protestos e das declarações de autoridades, a legislação brasileira não configura tais atos como terrorismo. A Lei 13.260/2016, conhecida como Lei Antiterrorismo, define o termo como a prática de uma série de crimes listados no texto legal “por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, quando cometidos com a finalidade de provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública”.

A Lei Antiterrorismo traz, ainda, uma proibição expressa à classificação de protestos políticos como terroristas: “O disposto neste artigo não se aplica à conduta individual ou coletiva de pessoas em manifestações políticas, movimentos sociais, sindicais, religiosos (...)”, diz o segundo parágrafo do artigo 2º.

“No nosso ordenamento, o terrorismo exige uma motivação discriminatória, xenofóbica, preconceituosa. A lei traz uma finalidade própria também, que é provocar terror social, expor a perigo pessoa, patrimônio, paz pública ou a incolumidade pública. Em relação à finalidade, poderia até enquadrar, mas em relação à motivação é impossível, porque esses atos não tem motivação discriminatória”, explica José Roberto Mello Porto, doutor em Direito Processual e defensor público do Rio de Janeiro.

“Terrorismo, na nossa lei, é utilizado tecnicamente de uma maneira muito mais aproximada da realidade do terrorismo internacional, de grupos radicais islâmicos, o terrorismo que está no ideário do homem médio. No nosso ordenamento, os protestos não se enquadram como tal”, prossegue.

Rotulação ampla dos atos como terrorismo pode legitimar excessos do Judiciário

O uso equivocado do termo “terrorismo” em atos de manifestantes contrários à eleição de Lula não teve início com os protestos violentos deste domingo – tal rotulação começou a ser usada por jornalistas, ativistas e políticos de esquerda após os episódios de violência por manifestantes de direita na noite da diplomação de Lula, no dia 12 de dezembro.

Dada a reprovação social de atos considerados terroristas, seguida de demandas por regime especial de tratamento contra seus praticantes, um dos riscos de classificar os protestos dessa maneira é a legitimação de condutas excessivas e abusivas por parte do poder Judiciário, que ferem direitos e garantias constitucionais.

Em discurso feito na terça-feira (10), o ministro Alexandre de Moraes voltou a endereçar o rótulo de terroristas aos manifestantes que vandalizaram os prédios dos Três Poderes. “Temos que combater firmemente o terrorismo. Temos que combater firmemente as pessoas antidemocráticas. Não é possível conversar com essas pessoas de forma civilizada. Essas pessoas não são civilizadas”, disse o ministro.

Há a expectativa de que Moraes, que já vinha tendo várias de suas decisões monocráticas contra apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) apontadas por juristas como abusivas e contrárias ao devido processo legal, intensifique tais medidas e normalize sua dinâmica de atuação, agora fortalecido pelo discurso de antiterrorismo.

Consequência direta de uma postura desbalanceada do Judiciário contra os manifestantes a partir dessa classificação dos crimes são as penas desproporcionais que eventualmente podem ser aplicadas. Como comparação, a pena mínima para o crime de terrorismo é de 12 anos e pode chegar a 30. Já o crime contra o patrimônio, no delito de dano qualificado uma vez que esse dano ocorreu contra patrimônio público, prevê pena de seis meses a três anos de prisão, ou seja, o teto da punição é apenas 10% da pena máxima para o crime de terrorismo.

Os autores dos atos de vandalismo estão sendo acusados também dos crimes de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, que traz como pena 4 a 8 anos de prisão; e de golpe de Estado, que prevê prisão de 4 a 12 anos.

“Obviamente a pena do terrorismo é muito maior, porque o legislador entende que esses atos são significativamente mais graves. Então caso o Judiciário interprete que houve atos terroristas haveria uma contradição entre [o que previu o Poder] Legislativo e [a interpretação adotada pelo] Judiciário”, aponta Mello Porto.

“Seguramente foram cometidos vários outros crimes que não o terrorismo, crimes até contra o Estado Democrático de Direito, cuja legislação é bastante dura na resposta que dá. Ou seja, cometer essa impropriedade jurídica para dar a resposta que se espera do Judiciário nesse momento não me parece um caminho necessário”, finaliza o jurista.

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