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Razões

"Partidos estavam de costas para a sociedade", diz socióloga

O momento vivido pelo Brasil é único na história do país e reflete demandas reprimidas da sociedade. Essa é a opinião de Maria Alice Rezende de Carvalho, doutora em Sociologia pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ) e professora da PUC-RJ. Segundo Maria Alice, nem mesmo a "Revolta do Vintém", como ficou conhecido o movimento popular carioca que lutou em 1879 contra a alta no preço da tarifa dos bondes, se equipara ao que está ocorrendo agora. "Naquela época, a pauta se concentrou na tarifa. Essas manifestações têm certo ineditismo e o que está em jogo é a revisão de um conjunto de políticas urbanas que não estão atendendo a população", afirma.

Apesar dessa falta de paralelo histórico, a socióloga diz que é comum o surgimento de muitas causas nesses protestos. "Esse é um movimento com parcelas diferentes da sociedade e há muitas demandas reprimidas. Quando uma demanda [a redução da tarifa] tem projeção, as demais se sentem automaticamente convocadas. Além disso, a política estava muito afastada da vida cotidiana das pessoas e os partidos estavam de costas para a sociedade.".

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Até onde vai a onda de protestos que atinge o país? Essa é a pergunta que todos se fazem em meio à perplexidade gerada pelos eventos populares que começaram há duas semanas. Nunca os brasileiros – mundialmente conhecidos por sua cordialidade – se apresentaram tão revoltados e mobilizados como agora, no que está sendo chamado de "revolta da tarifa". As manifestações começaram no último dia 6, em São Paulo, quando cerca de 2 mil pessoas foram às ruas pedir a revogação do aumento das tarifas de ônibus, metrô e trem – que haviam subido de R$ 3 para R$ 3,20 quatro dias antes.

A partir daquele ato, houve uma multiplicação exponencial das reivindicações e dos protestos pelo país. Da bandeira pelo transporte público, os manifestantes passaram a bradar contra políticos, os escassos investimentos em áreas nevrálgicas, como educação e saúde, os gastos exacerbados com a Copa do Mundo de 2014 e a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 37, que limita a atuação do Ministério Público em investigações.

Com dezenas de cidades anunciando a redução do preço da passagem do transporte pú­blico, havia uma expectativa de que os movimentos cessassem. Mas a adesão aos protestos só fez aumentar, chegando a um milhão de pessoas na última quinta-feira. Diante da inquietude geral da população e das diversas bandeiras levantadas país afora, especialistas se dividem sobre os desdobramentos do levante popular.

Para Dario Caldas, do Observatório de Sinais, consultoria que analisa tendências socioculturais, haverá uma desaceleração dos protestos, mas eles devem prosseguir. "Esse movimento não acaba com a redução das tarifas porque há pautas variadas e específicas. Mas, como se trata de um movimento horizontal – sem lideranças claras –, são essas demandas que mobilizarão as pessoas. O povo aprendeu o caminho. Era o que brasileiro precisava fazer e não fazia."

Passe livre

A queda no valor da tarifa fez com que o Movimento Passe Livre (MPL), responsável pelas convocações das passeatas, anunciasse sua retirada momentânea das passeatas em São Paulo. Mas Pedro Fassoni Arruda, doutor em Ciências Políticas, acredita que ainda é cedo para falar sobre a manutenção das manifestações. "O protesto da última quinta-feira em São Paulo teve caráter diferente, pois ocorreu para comemorar a vitória do anúncio da revogação da alta da tarifa", diz o professor da PUC-SP, que vê o movimento enfraquecido sem o MPL. "[A retirada do movimento] enfraquece bastante, porque era o principal organizador e o responsável pelas convocações em redes sociais."

A saída do Passe Livre, porém, é apontada por especialistas como uma tentativa do movimento de acalmar os ânimos de manifestantes e de evitar que os protestos continuem a ser usados para depredação de prédios públicos, como o que ocorreu em Curitiba, por exemplo, e para saques e arrastões em lojas, como os registrados no Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre.

Governo terá problemas para negociar

"A voz das ruas precisa ser ouvida e respeitada", disse a presidente Dilma Rousseff na sexta-feira à noite, durante o pronunciamento oficial de rádio e televisão sobre as manifestações que eclodiram em todo o país. Embora tenha tentado passar uma mensagem positiva e de tranquilidade aos concidadãos, a verdade é que a mandatária brasileira está tão chocada e surpresa com os protestos quanto qualquer outro brasileiro.

Dilma afirmou ainda que vai chamar presidentes de outros poderes, governadores e prefeitos para discutir a agenda de reivindicação dos manifestantes, o que pode acontecer nesta segunda-feira. Em sua fala, elencou três pontos que vai discutir nestes encontros: uma reforma do transporte coletivo urbano no país, a aprovação de projeto destinando a receita de royalties do petróleo para investimento em educação e também disse que vai atrair médicos estrangeiros para melhorar o atendimento no SUS.

A presidente também convidou publicamente representantes dos movimentos populares para debater em conjunto uma solução para os problemas

Para Dario Caldas, do Observatório de Sinais, o Planalto terá dificuldades de negociar devido ao caráter horizontal dos movimentos, sem lideranças. "O problema é que o governo vivia em um país de ‘faz de conta’, achando que tudo estava bem por sermos uma das economias mais fortes do mundo. Mas isso é um conto de fadas e agora eles se perguntam como reagir".

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