É a única certeza da vida, mas o homem não está preparado para ela. Exatamente por isso, receber o diagnóstico de que não há mais tratamento possível para uma doença soa como uma sentença de derrota, que inicia a contagem regressiva para o fim. Refutando essa ideia do "não há mais nada a fazer", defendida por equipes médicas quando o paciente não pode mais ser curado, a medicina paliativa garante que "muito ainda pode ser feito".
"Não falamos em paciente terminal, porque isso dá ideia de últimos dias. Nosso trabalho não é só garantir uma boa morte, mas assegurar qualidade de vida até o final", explica o médico Marcos Lapa, geriatra por formação e coordenador da equipe de cuidados paliativos do Hospital do Câncer de Londrina (HCL), que completa cinco anos e hoje atende 15 pessoas.
"No momento mais desamparado, o cuidado paliativo é uma luz quando todas as outras se apagaram", define Lapa. Extrapolando a medicina, esse tipo de tratamento envolve uma equipe multidisciplinar: são médicos, enfermeiros, assistentes sociais, psicólogos, nutricionistas, fisioterapeutas e fonoaudiólogos. Ao ser diagnosticado como sem possibilidade de cura, o paciente é encaminhado para um tratamento domiciliar. As visitas da equipe são periódicas e continuam até uma semana após a morte do doente. "Nosso papel também é ajudar no luto. E, quando em vida, queremos estar sempre perto. Isso cria um vínculo. Não tem como tratar a pessoa sem envolvimento", garante Lapa.
Sinceridade
Uma das etapas desse processo é a sinceridade com o paciente quanto à expectativa de vida. Segundo Marcos Lapa, o mais importante é evitar a chamada "conspiração do silêncio", quando o paciente quer esconder a real situação da família e vice-versa. "Sempre somos sinceros, mas é difícil determinar o tempo de vida. Dizemos que o tempo é curto, será uma vida limitada," explica o médico. "Não antecipamos a morte, nem prolongamos a vida. Queremos garantir a ausência de dor e o conforto", completa a outra médica paliativista da equipe, Etel Fernández, nefrologista por formação.
O ideal, segundo os médicos, é que o paciente seja encaminhado ao cuidado paliativo com uma expectativa de, pelo menos, seis meses de vida. Mas alguns chegam com menos de um mês.
HCL pretende criar um Hóspice
A precursora do cuidado paliativo no mundo foi a médica inglesa Cicely Saunders que, em 1967, fundou o St. Christopher´s Hospice, primeiro local a oferecer cuidado integral ao paciente, incluindo controle de sintomas, alívio da chamada "dor total" -- física, psicológica, social e espiritual do paciente e dos familiares.
O cuidado paliativo prioriza o tratamento domiciliar, sempre que possível. Mas, em alguns casos, o paciente que já tem alta do ponto de vista clínico, precisa ficar no hospital por falta de cuidadores ou de condições sociais. "Tem uma senhorinha de 74 anos, por exemplo, que só tem o marido idoso. E ele fica ali dias e dias, sentado numa cadeira ao lado dela", conta Etel Fernández. Para casos como esses, o HCL tem o projeto de criar um Hóspice espécie de casa de apoio para pessoas sem família ou sem domicílio em Londrina "A ideia é trazer, à medida do possível, a casa do paciente para dentro do hospital. Uma cama para um casal como esse de idosos, um guarda-roupa..."
Luta de "Fabuloso" dura dois anos
Ao chegar para a visita periódica ao ex-goleiro do Londrina Esporte Clube Cícero Gomes de Oliveira, de 59 anos, a equipe de cuidados paliativos do HCL é recebida com um sorriso pela esposa do Fabuloso como era conhecido nos tempos de bola , Sônia Regina de Oliveira, de 56. "Essa escada cansa, né?", comenta, bem-humorada, apesar da dura rotina de cuidadora. Era agosto de 2011 quando Cícero descobriu um tumor cerebral. Operado, começou a perder progressivamente os reflexos e a fala.
Três meses depois, o tumor voltou e a medicina descartou as possibilidades de cura. Desde então, Cícero é paciente do cuidado paliativo. "Os médicos deram seis meses, mas já faz um ano e oito meses, não tem explicação. Esse cara é um guerreiro", diz Sônia, companheira de 35 anos de vida, com quem o Fabuloso tem duas filhas e dois netos.
Após defender times como Atlético Paranaense, Pinheiros e Paranavaí, Cícero foi preparador de goleiros do Tubarão, de 2006 a 2010, e do Nacional de Rolândia, em 2011, quando passou mal durante um jogo em Foz do Iguaçu.
Embora a tarefa de cuidar do marido não seja fácil, Sônia encontra apoio nas visitas do cuidado paliativo. "Eles são uma bênção de Deus", garante.
Casamento dentro do hospital foi uma das vitórias presenciadas pela equipe
Basta apenas uma hora na sala de cuidados paliativos do Hospital do Câncer de Londrina, para ouvir emocionantes histórias de "pequenas vitórias" como definem os próprios profissionais alcançadas pelos pacientes sem chance de cura. Além de mutirões de limpeza, arrecadação de alimentos e do reencontro de um filho com a família que não via há mais de três décadas, o trabalho da equipe multidisciplinar do HCL tornou possível, inclusive, um casamento dentro do hospital.
"O paciente estava muito mal, muito grave, e a filha tinha casamento marcado para dali três meses. Ela perguntou o que eu achava, e eu disse que, se ela quisesse o pai presente, teria que antecipar a cerimônia", conta Marcos Lapa. A partir daquele dia, o foco dois médicos foi estabilizar o paciente, para tornar possível o sonho da filha. "No dia eu não consegui dar alta para ele. Então, as meninas conseguiram autorização para eles casarem na capela do hospital. Foi uma correria para achar padre."
Emocionados, os membros do cuidado paliativo recordam a alegria do pai ao ver a filha de noiva. "Foi demais! Ele usou roupa de casamento, ficou bonitão e dava gargalhada", lembra a doutora Etel Fernández. A alegria foi tanta, que o pai apresentou melhora no quadro e teve alta. "Depois daquilo, ele melhorou e viveu mais. Faleceu muitos meses depois", diz o médico.