A operadora de caixa Marlene (nome fictício), de 23 anos, viveu exatas duas horas e dez minutos de humilhação dentro do ambiente de trabalho, um grande supermercado de Curitiba, no ano passado. Ao fechar a caixa registradora para a troca de turno, o supervisor dela notou a falta de R$ 10. Marlene jurou de pés juntos que não sabia o que tinha acontecido, mas a palavra dela não foi suficiente.

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Acusada de furto, foi levada para uma sala onde ficou das 16h50 até às 19 horas sob forte pressão psicológica. Foi chamada de ladra diversas vezes e torturada com frases do tipo "você vai ser presa". Queriam que ela confessasse um delito que não havia praticado. Por fim, depois de tanta pressão, ela aceitou assinar dois documentos para poder ir embora: um onde admitia o furto e outro onde pedia o seu desligamento da empresa.

A história de Marlene é uma das 71 denúncias de assédio e dano moral registradas na Delegacia Regional do Trabalho (DRT) do Paraná em 2005. O número equivale a praticamente metade (49,6%) das 143 queixas feitas no Núcleo de Apoio a Programas Especiais (Nape), departamento da DRT que, desde fevereiro do ano passado, fiscaliza casos de discriminação, maus-tratos e humilhação nas relações trabalhistas. Após o pesadelo vivido no dia anterior, Marlene procurou a Nape para relatar o caso. "Foi uma conduta inaceitável. Não se acusa ninguém sem provas", diz a coordenadora do núcleo, Marilza Lima da Silva.

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Apesar da gravidade, Marlene sofreu bem menos do que a maioria das vítimas de violência moral no trabalho. Em geral, as situações de assédio ocorrem repetidas vezes e por um tempo prolongado, desgastando física e psicologicamente o funcionário até que ele peça demissão ou se afaste do serviço por motivo de saúde.

Segundo a definição universalizada pela psicóloga francesa Marie France Hirigoyen em 2000, com o livro "Assédio moral: a violência perversa no cotidiano" (Editora Bertrand Brasil), o problema ocorre quando o trabalhador é exposto a situações humilhantes e constrangedoras durante a jornada de trabalho, geralmente pelo superior hierárquico. "Quando o chefe corta a comunicação com a vítima e passa a tratá-la mal é o primeiro sinal. A pessoa vai sendo excluída sem saber, perde o apoio dos colegas e começa a achar que fez alguma coisa. Se não reagir e se isolar, perde qualquer chance de lutar contra isso", explica a psicóloga Lis Andréa Pereira Soboll.

Abuso de autoridade não chega a ser algo novo nas relações do trabalho, mas o debate sobre o assunto ganhou força nos últimos anos na Europa e no Brasil por conta dos afastamentos de funcionários decorrentes de problemas de saúde como estresse e depressão. "O assédio baixa a auto-estima da vítima, que fica desmotivada, e provoca doenças que levam ao afastamento dela", explica Marilza. A violência moral afeta ainda o ambiente de trabalho. "As pessoas não conseguem desempenhar suas tarefas com receio de errar e perdem produtividade", diz o presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT) no Paraná, Roni Anderson Barbosa.

Para a coordenadora da Nape, o assédio é resultado da má qualificação dos cargos de chefia. "Às vezes, chefes de setor têm que gerenciar conflitos e a maioria não está preparada para isso", afirma. Mas um estudo feito por Lis Andréa para a tese de doutorado que ela defenderá este ano na Universidade de São Paulo (USP) sobre violência psicológica no ambiente bancário mostrou algo surpreendente: o assédio moral está sendo usado como estratégia de gestão de pessoas. "Os bancos acham que um caso de assédio faz com que todo o resto do grupo trabalhe melhor, porque ninguém quer ser o próximo", diz a psicóloga. "O medo do desemprego faz com que a pessoa se sujeite a viver naquela situação para não perder a vaga".

Serviço: Denúncias sobre assédio moral podem ser feitas pessoalmente na Delegacia Regional do Trabalho, na Rua José Loureiro, 574, no 1.° andar. O Sindicato dos Bancários disponibiliza uma cartilha sobre o assunto, que pode ser obtida na Rua Vicente Machado, 18, 8.° andar, ou no site www.bancariospr.com.

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