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A expressão pode soar estranha para quem não tem filhos, mas alienação parental é um conceito bastante familiar a advogados especialistas em Direito de Família ou a pais e mães separados impedidos pelo ex-cônjuge de conviver com seus filhos ou que veem os filhos se afastarem, influenciados por campanha difamatória promovida pelo genitor que detém a guarda ou por parentes dele.
O Brasil tem uma lei específica para tratar do tema, a Lei da Alienação Parental (Lei 12.318/2010), que alterou parte do Estatuto da Criança e do Adolescente justamente para dar aos menores de idade mais uma garantia: a de não serem usados na briga entre pai e mãe separados e não serem impedidos por um ou outro de conviverem com ambos, independentemente das divergências que eles tenham entre si.
A norma, porém, passou a ser contestada há dois anos, durante a realização da CPI dos Maus Tratos no Senado, quando chegaram aos senadores reclamações de mães que perderam a guarda dos filhos para ex-maridos supostamente agressores. Elas tinham acusado os ex-companheiros de praticar violência contra as crianças, sem conseguir provar. Com a inversão da guarda, determinada por ordem judicial, crianças e adolescentes teriam passado a viver justamente com os genitores acusados de praticar violência doméstica ou sexual.
A Comissão Parlamentar de Inquérito não se aprofundou em apurar quem tinha razão nos casos específicos, o que já tinha sido feito pelos juízes que aplicaram a pena de inversão da guarda, prevista na lei como punição a falsos acusadores. Mas, ao fim dos trabalhos, o presidente da CPI, o então senador Magno Malta, entendeu que a melhor solução seria simplesmente abolir a legislação em vigor.
Foi assim que surgiu o polêmico projeto de revogação da Lei da Alienação Parental (PLS 498/2018). Na justificativa para a proposta, o ex-senador explicou o motivo: “por considerar que [a lei de alienação parental] tem propiciado o desvirtuamento do propósito protetivo da criança ou adolescente, submetendo-os a abusadores.”
Especialistas apoiam lei atual, mas sugerem ajustes
A presidente da Associação de Direito de Família e das Sucessões (ADFAS), Regina Beatriz Tavares da Silva, é contra a proposta de revogação da lei, já que o próprio relatório de Malta menciona que a CPI recebeu “uns poucos relatos” de mães que perderam a guarda dos filhos para pais supostamente abusadores.
“Ele levou em consideração um grupo de algumas mulheres que perderam a guarda após acusação de abuso sexual contra os pais das crianças. Não há dados na CPI sobre os processos judiciais, se houve ou não apuração da falsidade ou calúnia na acusação feita por essas mulheres. A lei da alienação parental diz que acusar falsamente é passível de perda de guarda”, diz Regina Beatriz. "Sou contra a criminalização da falsa comunicação de alienação parental proposta no projeto de lei, porque a prova chega a ser mais difícil do que a da prática de abuso sexual", complementa, acrescentando que a lei é necessária.
“Estão querendo desacreditar essa lei [da alienação parental] como se ela fosse prejudicial às crianças e não é."
Regina Beatriz Tavares da Silva, presidente ADFAS
A advogada Cristiana Reis, que trabalha com Direito de Família há 19 anos e já integrou a Comissão de Direito de Família da OAB-PR e o Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), também é contra a revogação da lei, que considera ótima e extremamente necessária. Mas alerta que há falhas em sua aplicação.
Ela diz já ter atendido vários casos em que houve realmente abuso da criança por parte do pai e que o mote da defesa é sempre o mesmo: alegar que a mãe está promovendo a síndrome da alienação parental para inverter a culpa e eximir o agressor de punição.
"Existe uma resistência dos tribunais e até um medo de julgar essa questão do abuso sexual quando ele é alegado, porque o tribunal tem medo de incorrer numa injustiça", diz a advogada. "[Pedofilia] é um crime que ocorre entre quatro paredes e dificilmente é presenciado, então nos casos de abuso, só o abusado é que tem certeza do que ocorreu. Eu tenho clientes [mães de crianças abusadas pelo pai] que lutam há anos para comprovar isso e existe uma certa resistência dos tribunais."
Segundo a advogada, os tribunais não costumam ter equipes multidisciplinares, com psicólogo e assistente social, para fazer uma análise mais profunda dos casos, o que deixa as crianças vulneráveis à eventual convivência, por ordem judicial, com o agressor.
Tramitação
O projeto que propõe a revogação da lei de alienação parental (PLS 498/2018) foi apresentado ao plenário do Senado no início de dezembro de 2018, ainda na legislatura anterior, tão logo a CPI dos Maus Tratos encerrou os trabalhos, e esteve em análise pela Comissão de Direitos Humanos do Senado durante todo o ano de 2019.
Em junho e julho do ano passado, a Comissão realizou duas audiências públicas para ouvir a opinião de profissionais e associações que lidam com esse drama. Os senadores ouviram representantes de várias entidades, como o Coletivo Mães na Luta, o Movimento Pró Vida, a Associação Brasileira da Criança Feliz, o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) e o Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), além de juízes de Varas de Família, advogados, psicólogos e outros profissionais que atendem vítimas de violência doméstica ou abuso sexual.
Relatora da matéria na Comissão de Direitos Humanos, a senadora Leila Barros não acatou a proposta de revogação da lei, mas apresentou um substitutivo, sugerindo algumas alterações no texto. Entre as propostas está, por exemplo, a punição de perda de guarda quando ficar comprovado que a denúncia feita pela mãe (ou por quem detém a guarda da criança) contra o pai, ou vice-versa, é dolosa.
Assim, uma mãe que suspeite que o ex-marido pratique qualquer ato de agressão contra seu filho não ficará intimidada a denunciar. Já aquela ou aquele interessado (a) em inventar a história apenas para se vingar do ex-cônjuge poderá ser punido com a perda da guarda, caso o dolo da alienação parental ficar comprovado.
Outra alteração proposta é que, antes de qualquer decisão de perda de guarda, o juiz promova uma audiência para conhecer as partes e ouça até os filhos, se não houver risco psicológico a eles.
O substitutivo foi aprovado na Comissão de Direitos Humanos em fevereiro deste ano, semanas antes do início da quarentena no Congresso Nacional, e encaminhado para a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), onde aguarda indicação de relator. Quando as reuniões presenciais voltarem a ser realizadas a CCJ vai analisar o projeto e, se não houver inconstitucionalidade, ele irá à votação em plenário.
Questionamento à Lei de Alienação Parental no STF
Além do Senado, o STF também deve discutir, em breve, a Lei 12.318/2010, já que uma entidade de defesa dos direitos das mulheres, a Associação de Advogadas pela Igualdade de Gênero (AAIG), propôs uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI 6273). A ideia é a mesma do ex-senador Magno Malta: que a lei seja revogada.
No caso da ADI, a alegação é a de que a lei da alienação parental se sobrepõe a artigos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que prevê instrumentos jurídicos de proteção do direito do menor de idade à convivência familiar e norteia-se por uma intervenção mínima das instituições estatais, apesar de permitir medidas emergenciais em caso de situação de risco a crianças e adolescentes.
A entidade argumenta que a tese da alienação parental se banalizou e vem sendo usada para enquadrar todo tipo de divergência em disputas judiciais de divórcio, guarda, regulamentação de visitas, investigações e processos criminais por abuso sexual, seja para atacar, defender ou simplesmente reforçar a tese de alguma das partes.
A ADI 6273 está sob relatoria da ministra Rosa Weber e não tem prazo para ser julgada. Entidades como a Associação de Direito de Família e das Sucessões (ADFAS) já estão elaborando petições pedindo para serem ouvidas como "amicus curiae", expressão em latim que significa "amigos da Corte". Querem representar o interesse das crianças e adolescentes, para que a única voz não seja a de movimentos feministas. E prometem lutar para que a lei da alienação parental não seja revogada.