Num dia qualquer, Ralf Kyrmse lembrou que conhecia a Europa, a África e os EUA. Já Curitiba, nem tanto. Morador histórico do Bigorrilho, decidiu ir "até lá" de ônibus mesmo, com o mesma postura com que faria uma expedição pelo Marrocos. Calçou tênis, roupas confortáveis, pegou uma máquina fotográfica discreta e se mandou. Num dos programas, iniciado no início da década, fez um levantamento completo do Rio Barigüi no perímetro de Curitiba, da foz em direção à nascente. Em outras, desceu em favelas, quebradas, bairros distantes e nunca foi molestado. Com exceção do único dia em que passou por duas ameaças de assalto ambas na Praça Tiradentes e com 15 minutos de diferença entre uma e outra.
Foram quatro anos viajando metodicamente, duas horas por dia, até completar 4 mil quilômetros e 180 linhas de ônibus. O objetivo era alcançar 220. Hoje são 390, mas nada que tire o recorde do doutor Kyrmse. "A idade pesa, mas ainda faço das minhas. Não vi Curitiba crescer. Sou do tempo em que a cidade acabava na Igreja do Portão e no Tanque do Bacacheri", diz o homem que ficou pasmo ao descobrir em que se transformou o Pinheirinho. "Eu dava tiros de canhão canhão mesmo por ali, quando estava no quartel. Era tudo campo. Que maravilha é a [Avenida] Winston Churchill."
Em tempo. Nas viagens, as de ontem e a de hoje, é um olho na rua e orelhas em pé. Segundo Ralf, trata-se da combinação perfeita. "Fico bem quieto. Escuto cada uma", diz. Em especial lições que não lhe foram dadas no curso de Medicina, como a ensinada por uma mulher a uma amiga: "Para dor de ouvido da criança, pingue leite do peito da mãe". Pensando bem, diz Ralf, "é quentinho, mal não deve fazer". Quem anda de ônibus, de repente, aprende.
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