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Clínicas devem arcar com os custos, casos embriões sejam abandonados. Algumas tiveram de abrir espaço extra para guardar contêineres | Daniel Castellano/ Gazeta do Povo
Clínicas devem arcar com os custos, casos embriões sejam abandonados. Algumas tiveram de abrir espaço extra para guardar contêineres| Foto: Daniel Castellano/ Gazeta do Povo

Alternativa

Ampliar a fertilização com óvulos doados aliviaria bancos

Uma alternativa para acabar com a produção de embriões excedentes é ampliar as fertilizações feitas a partir de óvulos congelados. A técnica ainda é relativamente nova – está consolidada há cerca de cinco anos no país – e apresenta limitações. "A taxa de sucesso é maior quando trabalhamos com a fertilização de embriões congelados, mas o procedimento [dos óvulos] é possível", comenta o médico Lídio Jair Ribas Centa, especialista em andrologia e reprodução humana.

Há também efeitos indesejados para a mulher: ela precisa receber hormônios e a coleta requer a aplicação de anestesia. Por isso, no Brasil há dificuldade em se encontrar mulheres dispostas a serem doadoras. O presidente da Sociedade Brasileira de Reprodução Assistida, Adelino Amaral, diz que o quadro seria diferente se, para os casos de congelamentos de óvulos, também fossem aplicadas no Brasil regras semelhantes às da Espanha. "Lá a mulher tem todas as suas despesas ressarcidas, desde o dia de trabalho perdido para a coleta até o valor gasto com o transporte. Aqui, qualquer tipo de pagamento é proibido. Se isso mudasse, teríamos mais doadoras e a necessidade de trabalhar com embriões congelados seria menor." (AM)

Ciência

Uso em pesquisas é restrito e depende de autorização

O controle sobre o número de em­­briões congelados no país é reflexo da autorização para o uso de células-tronco embrionárias em pesquisas científicas e em terapias. A chamada Lei de Biossegurança, aprovada em 2005 pelo Congresso Nacional, só se tornou viável em 2008, após uma votação controversa no Supremo Tri­­bunal Federal, que liberou a prática por seis votos a cinco.

A legislação prevê que os embriões usados nas pesquisas precisam ser considerados inviáveis (sem condições de se desenvolver) ou que tenham sido congelados até março de 2005, desde que o procedimento seja autorizado pelos responsáveis.

Por isso, por enquanto o uso dos embriões em pesquisas é bastante restrito no país. Até 2007, haviam sido doados para pesquisa 643 embriões – de um total disponível de cerca de 27 mil (em sua maioria viáveis e que dependiam da autorização do casal para terem tal destinação). Em 2008, foram 382 doações, número que passou para 455 no ano seguinte e para 748 em 2010.

O número de material que potencialmente poderia ir para pesquisa é baixo porque, em parte, decorre dos tímidos avanços obtidos com as pesquisas de células-tronco embrionárias. "Apesar dos esforços, não se conseguiu progresso no uso das células tanto pela ciência básica como pela medicina. Exemplo disso é o de empresas americanas que estavam investindo nessa área e que começaram a abandoná-la", comenta o pesquisador e professor da Pontifícia Universidade Católica do Paraná Sérgio Surugi de Siqueira. (AM)

Em qual momento um indivíduo passa a existir? A fusão do óvulo e do espermatozoide estabelece o início de uma vida ou há outro marco inicial para a existência humana? As respostas a estas questões fundamentam um debate aberto pela Sociedade Brasileira de Reprodução Assistida, que, preocupada com o destino dos cerca de 100 mil embriões congelados, resultantes de processos de fertilização in vitro realizados no país, defende o descarte após cinco anos de congelamento. A proposta será discutida pelo Conselho Federal de Medicina, que deve emitir um parecer sobre o assunto ainda este ano.

O "exército" de embriões congelados cresce em progressão geométrica. De 2008 a 2010 foram congelados 34.851 embriões no Brasil, número muito próximo dos 47.570 embriões que as clínicas especializadas levaram para armazenar nos primeiros 30 anos de uso da técnica. Com o ritmo acelerado de congelamento de embriões, até o final de maio, quando sai o próximo relatório referente aos números de 2011, calcula-se que o país passe com folga do total de 100 mil. Os dados são repassados à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) pelos bancos de células e tecidos germinativos (BCTGs) – responsáveis por esse tipo de procedimento.

O crescente estoque de material genético é a preocupação central que leva a Sociedade Brasileira de Reprodução Assistida a defender o descarte autorizado pelos responsáveis ou a eliminação do material abandonado. Essa, porém, não seria apenas uma demanda dos médicos, mas também dos casais, segundo o presidente da entidade, Adelino Amaral. "Muitos não querem doar material genético e preferem o descarte por ser algo pessoal. O problema é que hoje há muitos embriões abandonados e esquecidos após a separação do casal, viuvez, mudança de cidade. Para casos específicos como esses, queremos fazer como na lei espanhola, que prevê a dispensa de embriões após um período determinado", explica.

Para manter os embriões congelados os casais pagam uma taxa inicial que varia entre R$ 800 e R$ 1,5 mil e uma mensalidade de R$ 50. Quando o casal desaparece e abandona os embriões é o banco que arca com as despesas da manutenção. "E existe a questão de espaço, já que as empresas têm de manter locais adequados para o armazenamento. Semana passada tive que liberar mais uma sala na minha clínica para guardar esse material", conta Adelino.

Divisão

O problema dos embriões não implantados é tão antigo quanto o próprio surgimento dos bebês de proveta, mas a questão costuma ser negligenciada justamente porque envolve dilemas morais que a sociedade prefere não enfrentar. Eis que o aspecto econômico tira o tema do esquecimento. Curiosamente, quando vem à baila, o assunto desperta dúvidas que apontam que a questão vai bem além disso. Um exemplo: como seria feito esse descarte? A mera dúvida sobre o procedimento comprova que a sociedade vê nos embriões algo distinto do que enxerga em outros tecidos resultantes de procedimentos hospitalares.

Não há como levar adiante o debate sem estabelecer, previamente, o que pensamos sobre o marco inicial para a vida. Para quem defende que a vida começa na concepção, qualquer embrião, implantado no útero ou congelado, é considerado vida porque o patrimônio genético já está nele definido.

O bioquímico e cientista da saúde Sérgio Surugi de Siqueira é um dos que não concorda com o descarte. "Um embrião é vida e todos nós já fomos embrião um dia. O grande erro foi produzir excedentes de forma não planejada. Agora, qualquer solução que se aponte, seja o descarte ou a pesquisa, não será o ideal."

O padre Rafael Fornasier, assessor da CNBB, considera que "esses embriões estão em uma situação de injustiça irreparável. Seus direitos essenciais deveriam ser juridicamente tutelados, enquanto não há uma solução mais lícita", afirma.

Números são apenas parte a realidade

O total de 82.421 embriões congelados pode não revelar um retrato fiel da realidade brasileira. Isso porque o total armazenado no ano passado não foi computado. Além disso, parte dos embriões pode já ter sido implantada – a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) não tem o controle sobre o material que deixa as clínicas. Há ainda chances concretas de que uma parcela significativa dos Bancos de Células e Tecidos Germinativos esteja fora do sistema de controle.

A notificação à Anvisa sobre todos os procedimentos de congelamento de embriões humanos tornou-se obrigatória em 2008. Mas, nos dois primeiros anos, a fiscalização teve um caráter educativo. Somente desde o ano passado a agência intensificou o trabalho de fiscalização e os bancos de células ficaram sujeitos a processos administrativos, além do pagamento de multas. Em casos mais graves, cabe às vigilâncias sanitárias municipais e estaduais a abertura de processos.

Fiscalização

O resultado da maior pressão da Anvisa se deve ao aumento surpreendente tanto no número de clínicas como no de embriões congelados no último relatório sobre o assunto: eram 5.539 embriões e 33 bancos em 2008; números que passaram para 8.058 e 31 serviços em 2009; e 21.254 e 72 bancos em 2010 – quando a fiscalização foi ampliada. Mas a Sociedade Brasileira de Reprodução Assistida estima em 120 o número de serviços que fazem o armazenamento de embriões no país, o que sugere que muitos ainda não estão cumprindo a determinação da Anvisa.

Mapeamento

Daniel Coradi, gerente de tecidos, células e órgãos da Agência Nacional, explica que por meio do trabalho que está sendo feito a intenção é estabelecer três tipos de controle: onde as empresas estão localizadas, quantas são e quantos embriões estão congelados em cada uma delas. A partir deste ano, a expectativa é de que a fiscalização também resulte no estabelecimento de indicadores que medirão a eficiência da reprodução assistida, já que será possível saber quantos óvulos foram coletados e implantados, quantos foram transferidos e quantos efetivamente resultaram em gravidez.

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