A Finlândia, outrora modelo mundial de educação, está enfrentando uma queda significativa e contínua em avaliações internacionais.| Foto: Foto de Kenny Eliason em Unsplash
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O desempenho dos estudantes na Finlândia tem apresentado uma queda significativa e contínua em avaliações internacionais na última década, apesar de o país ter sido considerado modelo mundial de educação. Especialistas e pesquisadores apontam que fatores como aumento da autonomia de alunos, diminuição da autoridade de professores e uso de dispositivos eletrônicos na aprendizagem sejam possíveis causas desse declínio.

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Desde 2008, os resultados da Finlândia vêm caindo em áreas importantes da educação como leitura, matemática e ciências, avaliados pelo Pisa, exame global que testa o conhecimento prático de estudantes de 15 anos. Apesar das análises e diretrizes sugeridas por especialistas, as autoridades educacionais no país afirmam não saber as razões desse declínio drástico, o que dificulta ainda mais a implementação de soluções eficazes.

Os dados refletem o tamanho do problema: entre 2006 e 2021, o desempenho da Finlândia em leitura caiu de 547 para 490 pontos – uma queda expressiva de 57 pontos. Matemática e ciências seguem um padrão semelhante. O desempenho em matemática diminuiu 57 pontos entre 2008 e 2023, enquanto ciência registrou um declínio de 52 pontos entre 2005 e 2020.

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Pesquisadores apontam que perda da autoridade do professor impacta resultados

O TIMSS, outro exame internacional que mede os conhecimentos em matemática e ciência de alunos do 4º e 8º anos, revelou outro problema: a volta e o aumento da desigualdade de conhecimento entre os estudantes, o que havia sido eliminado no país décadas antes. Além disso, nesse exame, embora a média dos alunos finlandeses ainda seja superior à de muitos países, a tendência preocupa. O desempenho dos alunos do 4º ano da Finlândia matemática foi de 14º em 2019 para 19º em 2023. O país também caiu cinco posições entre os alunos do 8º ano em matemática, saindo de 10º em 2019 para 15º em 2023.

Essa desigualdade não foi apontada exclusivamente pelo TIMSS, mas também observada no Pisa. O sociólogo e professor sênior da Universidade Zeppelin, na Alemanha, Richard Münch investigou as possíveis causas do problema. “A diminuição da equidade [de notas dos alunos] pode ser uma coincidência de três mudanças: maior autonomia das famílias mais ricas na escolha da escola ou do currículo, maior heterogeneidade da população devido à imigração e menor sujeição à autoridade do professor”, aponta o artigo escrito por Münch.

A pesquisa ainda ressalta que, diferentemente dos países ocidentais, a cultura do país faz com que os professores finlandeses ocupem, socialmente, uma posição mais elevada. Apesar disso, essa autoridade em sala de aula, consolidada por anos de reconhecimento cultural, pode ter sido enfraquecida pelas novas pedagogias. Em abordagens como essas, o professor deixa de ser a figura central do aprendizado, mas tem apenas um papel de mediador para auxiliar os alunos a alcançarem seus próprios interesses.

Em 2019, durante sua passagem pelo Brasil, a educadora e professora da Universidade de Lund na Suécia Inger Enkvist comentou sobre problemas relacionados à “nova pedagogia”. Ela explicou que essa abordagem se baseia em métodos de trabalhos por projetos, entrega de resumos ao invés de provas, mas principalmente do papel do professor como apenas um integrante a mais do grupo, uma espécie de coach. Para Enkvist, esse modelo pedagógico é um dos responsáveis pelo declínio educacional da Finlândia.

Curiosamente, a Finlândia adotou esse currículo “moderno” inspirando-se na Suécia, país que, segundo Enkvist, já está reavaliando essas práticas. “A Suécia está dando um passo atrás na educação baseada na iniciativa dos alunos, trabalho em grupo, projetos e o professor apenas como um facilitador”, destaca.

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Enkvist acredita que a grande diferença de notas entre alunos seja o resultado do aumento de imigrantes e da aplicação de pedagogias modernas. “A Suécia agora tem uma grande população de imigrantes, e esses alunos se saem menos bem com tipos não tradicionais de pedagogia”, avalia.

Suécia, inspiração da Finlândia, passa a incentivar uso de livros em papel

O uso de dispositivos eletrônicos nas salas de aula está sendo repensado pelo governo da Suécia, país que inspirou políticas públicas educacionais adotadas pela Finlândia. Nos últimos anos, alunos, especialmente do ensino infantil e fundamental, foram ensinados quase exclusivamente com o uso de computadores e tablets.

No princípio da mudança dos livros para os meios virtuais, os professores resistiram à adesão ao avaliarem os impactos negativos do modelo mais tecnológico. “Os alunos leem mais devagar, possuem um vocabulário menor e também compreendem menos o que leem. Atribuímos isso à dependência excessiva de métodos digitais”, afirmou Jeannete Wiberg, professora sueca, em entrevista à rede de televisão alemã DW. 

Em 2024, o governo sueco tomou uma direção diferente ao disponibilizar 60 milhões de euros para a compra de livros didáticos pelas escolas do país. “O currículo para crianças pequenas não considera mais a familiaridade com computadores como uma parte necessária da experiência da criança. O que existem agora são diferentes iniciativas para fazer os alunos lerem mais livros”, relata Envisk. Por outro lado, ela não acredita que os computadores em si tenham causado a queda do desempenho na Finlândia, “mas as pedagogias que vêm associadas aos computadores podem sim ter contribuído”.

Alta qualidade de vida também tem impacto no desempenho, afirma especialista

Enkvist não descarta que a alta qualidade de vida na Finlândia, um dos países mais bem avaliados nesse quesito, possa influenciar negativamente os resultados educacionais. O Relatório Mundial da Felicidade, elaborado pela Universidade de Oxford e outras instituições, considera a Finlândia como o país mais feliz do mundo.

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A educadora destacou que alunos, professores e pais sabem que os jovens terão um futuro aceitável, independentemente de seus resultados acadêmicos. Ou seja, essa percepção de bem-estar acaba gerando uma atitude mais permissiva de todos os envolvidos na educação. “Os pais não insistem que seus filhos trabalhem duro. Eles os satisfazem, os deixam brincar com telefones e computadores, e os levam de carro em vez de deixá-los ir a pé ou de bicicleta para a escola”, conclui.