33 milhões de pessoas vivem com HIV hoje no mundo. Muitos têm o vírus há 20 anos ou mais e levam uma vida normal .
tratamento
Após 30 anos, a vacina para a doença ainda não surgiu
Diretor de Epidemiologia da Secretaria Municipal de Saúde de Curitiba, o infectologista Moacir Pires Ramos era sextanista no curso de Medicina e logo faria residência no Hospital de Clínicas quando houve a primeira morte por aids em Curitiba, em 1984. "A vacina para a cura da aids é para daqui a dez anos" era a frase que mais se ouvia. Esses anúncios se renovavam à medida que o tempo corria. Já se passaram 30 anos e a vacina ainda não chegou. Moacir lembra que houve muito sensacionalismo nesse meio tempo e dois assuntos aborreciam a classe médica.
O primeiro incômodo diz respeito ao charlatanismo. O alarmismo diante de uma doença rápida e letal fez surgir espertalhões prometendo a cura com remédios milagrosos. Outro mal-estar vinha de notícias plantadas por laboratórios ou centros internacionais de pesquisa sobre estudos para acabar com o vírus, de forma a ganhar financiamentos. Apesar das muitas frustrações, houve avanços. O HIV tornou-se uma infecção crônica e não mais letal. Todo mundo fica esperando por um milagre para a cura da aids, sem se dar conta que ele já se deu.
No início da epidemia de aids, o tempo entre o diagnóstico e a morte era de seis meses. Hoje, quem toma corretamente o coquetel antirretroviral não morre de aids. "Para os médicos, esses medicamentos já são um milagre", diz Moacir. Ele, por exemplo, tem pacientes em tratamento há 20 anos e estão muito bem. Segundo o médico, quando se fala em vacina é preciso lembrar que não há um único produto em estudo para combater o HIV.
Há três linhas de pesquisa. Uma delas busca criar vacinas preventivas, cujo objetivo é apenas evitar que alguém contraia o vírus. Outra tenta desenvolver uma vacina terapêutica para diminuir a carga viral, o que não representa uma cura. Na avaliação de Moacir, é a mais viável e significa um grande avanço. Em vez de tomar o coquetel, o paciente tomaria a vacina. Já uma terceira linha de pesquisa busca efeitos curativos ao eliminar o vírus do organismo.
pesquisa
Brasil inicia testes de vacina contra o HIV
O Brasil iniciou a fase de testes de uma vacina para evitar que o portador de HIV desenvolva a doença ou transmita o vírus. Desenvolvida pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), ela foi testada em camundongos, que tiveram um aumento de imunidade contra o vírus. Em outubro de 2013 começaram os testes em macacos da espécie Rhesus, cujo sistema imunológico se assemelha ao do homem. Em caso de sucesso nessa fase, que deve durar dois anos, a vacina poderá ser testada em seres humanos.
Mais tempo
Batizada de HIVBr18, a vacina se desenvolveu com base no sistema imunológico de portadores do vírus que demoravam mais tempo para adoecer. Segundo as pesquisas, o sangue deles apresentava quantidade maior de linfócitos T do tipo CD4, que comandam o sistema imunológico e estimulam outros linfócitos a combater invasores. A pesquisa desenvolve uma vacina que estimule os linfócitos CD4 e CD8 a diminuir drasticamente a carga viral no organismo, evitando que o portador do vírus o transmita ou desenvolva a doença.
voluntários
Instituto de Curitiba testa novos medicamentos
Três mil voluntários já passaram desde 1998 pelo Instituto A. Z. de Pesquisa e Ensino, em Curitiba, quando ali se iniciaram estudos sobre HIV, hepatite, herpes e outras viroses, além de fungos e infecções bacterianas. Muitos eram soropositivos que puderam experimentar os novos medicamentos contra o vírus da aids antes mesmo de eles entrarem no mercado. O instituto faz parte de uma rede global de congêneres espalhados por todo o mundo voltados a testar os fármacos desenvolvidos nos principais centros internacionais de pesquisa.
Fases
O instituto curitibano entra na terceira ou quarta fase, quando os novos medicamentos já passaram por testes preliminares no laboratório. Estados Unidos e Reino Unido, por exemplo, permitem à indústria farmacêutica pagar aos voluntários de pesquisas clínicas, as chamadas "cobaias humanas". Dessa forma, os medicamentos para testes chegam ao Brasil com um nível de segurança confiável, assegura o infectologista José Luiz de Andrade Neto. Ainda assim, a pesquisa passa antes pela análise da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep).
Ao sair para atender um paciente com aids nos anos 1980, o infectologista José Luiz de Andrade Neto sempre levava o bloco de atestado de óbito. Não havia o que fazer, era questão de dias. A epidemia se alastrou junto com sua má fama. Em Curitiba, o Hospital Oswaldo Cruz lotou com pacientes de todo o Paraná, de São Paulo e Santa Catarina. Duravam meses apenas. A comunidade científica ainda tentava decifrar a doença, e falar em cura era coisa de charlatães. As pesquisas evoluíram e agora já se anuncia a cura para 2020. Nesse meio tempo, um milagre se deu.
Desde o primeiro caso, notificado em 5 de junho de 1981 em Los Angeles (EUA), 25 milhões de pessoas morreram em todo o mundo por doenças relacionadas com a aids. Seria pior não fosse uma notável história de sucesso da pesquisa biomédica. As camas do Hospital Oswaldo Cruz não têm mais aqueles moribundos reduzidos a pele e osso, incapazes até de sustentar os olhos abertos. À época, médicos e enfermeiros eram a extensão daqueles corpos débeis na hora do banho e das refeições. "Ninguém mais imagina trabalhar naquelas condições", diz Andrade Neto.
Milagre
Para quem viveu esses dias de inferno na Terra, contando os mortos sem nada a fazer, o que já se conseguiu está muito perto de um milagre da ciência. Faz tempo o HIV deixou de ser uma infecção letal. Mas quem ainda morre vítima de uma infecção controlável? Morre quem não adere ao tratamento ou não faz os exames a tempo de controlá-la, constata Andrade Neto. Mais de 33 milhões de pessoas vivem com HIV hoje no mundo. Muitos têm o vírus há 20 anos ou mais e levam uma vida normal com algumas restrições, claro, mas normal se comparada à dos primeiros soropositivos.
O pânico instalou-se mundo afora no início da epidemia, quando a infecção em crianças nos Estados Unidos sugeria a transmissão do vírus pelo ar e utensílios domésticos. Àquela altura, a aids já estava presente em 33 países e 1,2 mil norte-americanos haviam morrido. A urgência pela cura fez o AZT, a primeira droga aprovada para o tratamento da infecção, pular algumas etapas de pesquisas. Foram apenas 25 meses entre a primeira demonstração que o AZT era ativo contra o HIV no laboratório e a sua aprovação um período curto na história da biomedicina. Não ficou nisso.
"A ciência deu grandes passos nos últimos anos e há um consenso generalizado entre os pesquisadores de que uma cura para o HIV é possível e inclusive provável", disse Kevin Robert Frost, diretor executivo da Fundação para Pesquisa da Aids (amfAR) ao lançar há poucos dias em Nova York a ação "Contagem Regressiva para a Cura do HIV", uma iniciativa de pesquisa que visa a encontrar a cura para o vírus amplamente aplicável em 2020. O objetivo é investir US$ 100 milhões em pesquisas sobre a cura nos próximos seis anos.
Mortes aumentam com a desinformação e a discriminação
Há duas décadas a infecção pelo HIV deixou de ser necessariamente uma sentença de morte. O Brasil oferece testes e medicamentos de graça. Contudo, os novos casos de infecção no país aumentaram 11% e as mortes atribuídas à aids subiram 7% entre 2005 e 2013. Uma tendência inversa à média global, com queda de 13% nas infecções nos últimos três anos e redução de 35% dos óbitos de 2005 a 2013, segundo relatório da Unaids (Programa da ONU para HIV e Aids). Por que isso ocorre?
Algumas causas se sobressaem: desinformação, discriminação e falhas nas campanhas de prevenção. O perfil dos grupos mais vulneráveis ajuda a explicar. Segundo a Unaids, a prevalência do HIV na América Latina se concentra em grupos como gays, profissionais do sexo e usuários de drogas. E ainda: um terço das novas infecções ocorre em jovens com idade entre 15 e 24 anos. No Brasil, dados oficiais vêm apontando uma maior ocorrência de infecção por HIV entre jovens homossexuais.
Medo
Professor da PUCPR e da UFPR, o infectologista José Luiz de Andrade Neto lembra da onda de choque nos anos 1990. Os sobreviventes da aids, diz o médico, punham medo nos amigos com relatos dos horrores provocados pela doença. Os jovens de hoje não vivenciaram essa experiência e têm outra percepção da doença. Assim, são naturalmente mais imprudentes. Por acreditar que aids é uma doença do passado, muitos não se protegem, acham que não precisam de preservativo. Essa é a parte da desinformação. Ainda há no Brasil discriminação contra determinados grupos, a exemplo dos homens gays, levando-os a não fazer ou demorar a buscar testes que possibilitem o tratamento precoce.
A maior parte do diagnóstico no país é tardio, aumentando o risco de transmissão e de mortes. O tratamento é fundamental na política de prevenção do HIV. Alguns estudos revelam que o tratamento correto pode tornar o vírus indetectável e ter sua capacidade de transmissão reduzida em até 96%.
A eficácia no tratamento do HIV trouxe reflexos também nas campanhas de prevenção. Massivas até o fim da década de 1990, elas agora se resumem ao período do carnaval. Também faltam campanhas educativas e mais elucidativas sobre em quais grupos o risco é maior.
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