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Dizem que ninguém é insubstituível no trabalho. Pode ser. Mas em alguns casos é difícil de acreditar. Quem, por exemplo, pode substituir à altura uma mulher que criou uma instituição do zero e levou-a a concorrer ao Nobel da Paz? A Pastoral da Criança tem apenas um ano para encontrar uma resposta para essa charada. Zilda Arns, fundadora e coordenadora nacional da ONG há 23 anos, anunciou que só permanece em seu cargo atual até o fim de 2007. Depois, será uma espécie de embaixadora do projeto, angariando apoios e mobilizando as comunidades. Mas toda a parte administrativa será repassada a outra pessoa. Quem? Ninguém sabe ainda. Só a eleição interna, marcada para o fim do ano que vem, responderá a pergunta.

"Não tenho nenhum receio quanto ao futuro da Pastoral", afirma a médica, que criou a instituição em 1983, incentivada pelo irmão, o cardeal de São Paulo dom Paulo Evaristo Arns, e por outros religiosos. Segundo ela, há vários motivos para acreditar que o projeto continuará tendo a mesma qualidade mesmo sem a sua coordenação. Primeiro, porque hoje há diversas pessoas que ela considera capacitadas a tomar as decisões necessárias. Segundo, porque a Pastoral já caminha com pernas próprias há muito tempo. "Além disso, esta não é uma obra humana. É divina", afirma.

O processo de transição começou já no ano passado, quando Zilda Arns resolveu fazer uma mudança no estatuto da pastoral. Colocou um tempo máximo para a permanência de qualquer pessoa na coordenação do projeto. Isso dá a entender que a médica quer que mais pessoas passem pela chefia da instituição, até para que não haja um tom personalista no trabalho. "Também é preciso pensar que estou com 72 anos", diz ela, que no entanto está longe de pensar em se aposentar. Além de continuar ajudando na Pastoral da Criança, ela permanecerá como coordenadora da Pastoral da Pessoa Idosa e também da Pastoral Internacional, que atua hoje em 16 países.

Carisma

Uma das dificuldades de encontrar um substituto no nível de Zilda é achar alguém que tenha o mesmo carisma da fundadora. Afinal, não é qualquer pessoa que consegue mobilizar uma rede de mais de 260 mil voluntários em todo o país. Mas não é só isso. A Pastoral da Criança tem hoje números impressionantes e é preciso ser um bom administrador para garantir que tudo funcione bem.

Só para se ter uma idéia: todos os anos, passam pelos caixas da instituição cerca de R$ 33 milhões. Esse dinheiro precisa ser suficiente para atender mais de 1,8 milhão de crianças e gestantes em todo o país. Para isso, é preciso garantir que o custo por atendimento não suba demais – e também é necessário ter poder de mobilização para conseguir que a base do trabalho continue sendo feita voluntariamente.

"A doutora Zilda certamente continuará sendo um símbolo importante para nós", afirma Nelson Arns Neumann, filho da médica e atualmente coordenador-adjunto da Pastoral da Criança. "Mas tenho certeza de que há pessoas que poderão fazer bem o trabalho", diz ele. Nelson é considerado a pessoa mais influente da instituição hoje, depois de sua mãe. Mas ele tem dito que não será candidato a coordenador. "Há um consenso de que deverá ser uma mulher", afirma ele, lembrando que mais de 90% do voluntariado nas comunidades é feito por mulheres.

Quem conhece a Pastoral por dentro afirma que Nelson deverá continuar tendo grande influência nas decisões. Mas a aposta é de que alguma colaboradora atual do projeto deverá assumir a coordenação-geral. Dois nomes lembrados são o de Ana Ruth Góes, assessora da coordenação nacional, e o de Carmen Lúcia Costa, coordenadora estadual em Minas Gerais. No entanto, ninguém está em campanha ainda e toda a decisão deve ficar mesmo para o ano que vem.

Desafios

Zilda Arns diz que um dos principais desafios da Pastoral da Criança nos próximos anos será o de aumentar o número de crianças atendidas no Brasil. "Hoje, 19% das crianças pobres do país com menos de seis anos estão na Pastoral", afirma a coordenadora. A meta é ambiciosa: a médica quer chegar um dia a 100% de atendimento da infância pobre.

Hoje, o trabalho da Pastoral salva da morte a cada ano cerca de 5 mil crianças. A conta é feita com base em duas informações. A média nacional é de 26,6 mortes a cada mil nascidos vivos. Dentro da Pastoral, é de 15 a cada mil. Tudo conseguido com medidas simples de prevenção. A mais famosa é o combate à desnutrição, feito com soro fisiológico e multimistura de farelos, entre outros elementos. Outra ação simples, mas que aumenta imensamente os resultados do trabalho é o acompanhamento da criança, com pesagem mensal feita pelos voluntários.

Pelo trabalho realizado, Zilda Arns já ganhou inúmeros prêmios nacionais e internacionais. O mais recente, o Opus Prize, concedido por uma instituição norte-americana, rendeu U$ 1 milhão à Pastoral. Segundo a médica, o dinheiro será usado para melhorar o trabalho da instituição nos outros 16 países onde ela já existe. E também para levar a Pastoral da Criança a mais uma nação. Desta vez, o país beneficiado será o mais pobre da América Latina, o Haiti. "Temos de ajudar principalmente a combater a filariose, que por lá é uma epidemia", planeja a médica. Afinal, a saída da coordenação nacional não vai fazê-la parar. Nem vai fazer parar a Pastoral.

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