Recentemente, a CPI da Covid pediu a quebra de sigilo telefônico de pessoas, empresas e associações. A decisão foi suspensa pelo ministro Luís Roberto Barroso, do STF, nos casos de dois servidores do Ministério da Saúde. Mas a lista inclui ainda dois ex-ministros, Eduardo Pazuello (Saúde) e Ernesto Araújo (Relações Exteriores), além da secretária do Ministério da Saúde, Mayra Pinheiro, do assessor internacional da Presidência da República, Filipe Martins, do empresário Carlos Wizard e o virologista Paolo Zanotto. Já o ministro Ricardo Lewandowski, também do STF, negou o pedido do tenente-médico Luciano Azevedo para suspender as quebras de sigilo determinadas pela CPI.
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Pazuello, por exemplo, teria determinado o uso de medicamentos como a hidroxicloroquina para conter o crescimento da pandemia em Manaus (AM). Martins seria membro de um suposto “gabinete do ódio” utilizado pelo Palácio do Planalto para difamar e atacar críticos do governo. Já Pinheiro, Wizard e Zanotto seriam membros de um suposto gabinete paralelo que aconselharia o presidente a respeito de questões médicas relacionadas ao combate à Covid-19.
Mas o que seria o suposto gabinete paralelo? Em entrevista à Gazeta do Povo, Paolo Zanotto afirma que sugeriu, em setembro, a criação de um grupo de especialistas para dar suporte à análise de documentos apresentados pelos fabricantes de vacina.
Durante uma reunião que contou com a presença do presidente, ele se disse preocupado com as vacinas que vinham sendo desenvolvidas e declarou: “Talvez fosse importante montar um grupo, a gente poderia ajudar com um shadow cabinet”. A referência é a uma estrutura tradicional do parlamento britânico, onde um gabinete paralelo atua de forma espelhada.
“É uma forma de garantir rigor e agilidade aos debates da casa”, explica ele, que tem graduação em Biologia pela USP, mestrado em Virologia Molecular pela Universidade da Flórida e doutorado em Virologia pela Universidade de Oxford.
De fato, o shadow cabinet é uma figura tradicional da política inglesa: a partir do momento em que um grupo político assume o poder, o outro forma um gabinete extraoficial, que faz o mesmo trabalho de investigação e avaliação de propostas legislativas, apontado incorreções e fornecendo um contraponto. Seria apenas uma analogia, já que o comitê seria formado pelo próprio governo.
Reportagem da Gazeta do Povo mostrou que senadores de oposição e independentes - maioria entre os membros titulares da CPI - adotaram a estratégica de buscar uma "ofensiva" contra o que eles chamam de gabinete paralelo. De acordo com informações da Agência Senado, os parlamentares também pretendem aprovar requerimentos com relação aos médicos que apoiam o tratamento precoce, chamado pejorativamente pela CPI de "kit covid".
Grupo de apoio
“A expressão ‘shadow cabinet’ é conhecida. Interpretar de outra forma, ainda mais no ambiente político, é sinal de ignorância ou má-fé”, reage o pesquisador. Ele alega que o que propôs, na época, foi a criação de um grupo independente, para fazer a revisão anônima da documentação que os fabricantes de vacina contra Covid-19 apresentassem. “A indústria conhece os nomes de quem vai avaliar o material, o que abre margem para análises enviesadas”, explica.
“Entregamos a sugestão a Arthur Weintraub, que naquele momento era assessor especial da presidência da República. Mas a proposta não avançou”, lembra Zanotto. “Queríamos colocar os melhores imunologistas e virologistas a favor de um esforço de salvar vidas. E hoje me vejo acusado de provocar mortes, sendo que dediquei toda a minha carreira para a saúde”.
Em entrevista à colunista Cristina Graeml, Arthur Weintraub declarou: “Eu atuava como assessor do presidente e levava informações e estudos para ele. O que o presidente fazia com as informações era uma interface com o ministro da saúde. Nunca tive reunião com nenhum dos ministros da saúde. Eu simplesmente passava as informações para municiar o presidente de dados.”
“Nunca participei das reuniões do que inventaram ser um gabinete paralelo”, afirma à reportagem Mayra Pinheiro. “Não tenho nada a dizer porque isso é uma aberração dessa CPI”.
Colaboração constante
Mesmo que tenha acontecido, a colaboração entre pesquisadores e governos é muito comum. O próprio Zanotto já atuou em conjunto com diferentes instituições públicas de saúde, especialmente no auge da crise provocada pelo vírus chikungunya.
“O trabalho em conjunto entre servidores das secretarias locais e pesquisadores especializados possibilitou que a relação desse vírus com os casos de microcefalia fosse comprovado, o que aconteceu primeiro no Brasil”, lembra ele, que também atou, por exemplo, em um trabalho de identificação dos bairros de origem de casos de dengue em Guarujá, no litoral de São Paulo.
Assim, com o suporte de consultores externos, eram identificadas as áreas da cidade onde mais pessoas estavam doentes e poderiam atuar como vetores capazes de contaminar os mosquitos transmissores, que por sua vez levariam o vírus para novos locais.
Interrogada pela CPI, outra especialista acusada de fazer parte do suposto gabinete paralelo, a médica Nise Yamaguchi, lembrou que já colaborou como consultora para outros governos, de outros partidos. Foi, inclusive, prestadora de serviço para o Ministério da Saúde durante o governo de Luís Inácio Lula da Silva (PT).
Prática comum
“O combate ao H1N1, em 2009, contou com a consultoria de pesquisadores de renome na área”, lembra Zanotto. “É uma prática comum”. É utilizada, inclusive, por governos estaduais, quando precisam de opiniões bem fundamentadas de especialistas para temas relevantes, como a privatização de empresas públicas.
Aliás, a presença de autoridades nos mais diferentes temas é comum nas diversas comissões da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. A comissão que estuda a PEC da Segunda Instância, por exemplo, ouviu em maio dois juristas renomados, o advogado e professor aposentado do Departamento de Direito Comercial da Faculdade de Direito da USP, Modesto Carvalhosa, e o advogado e professor emérito da Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Ives Gandra Martins.
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