Fundo do poço e renascimento
Rafael foi tragado pelas drogas aos 16 anos. O vício foi consumindo-o aos poucos até que, um ano e meio atrás, passou a viver nas ruas. Quatro meses antes de ser internado, ele começou a viver o que chama de "o fundo do poço". O assédio para cair na criminalidade era cada vez maior.
"Eu conhecia todos os traficantes, ladrões e bandidos. Comecei a sofrer agressões por não aderir [à criminalidade]. No ponto em que estava, era banditismo, cadeia ou morte", afirma.
O ex-modelo fala com sobriedade do período sombrio passado nas ruas. Mas é como se as lembranças fossem águas turvas, através das quais não é possível ver com clareza. Recorda-se de ter passado três dias sem dormir, apenas esmolando e consumindo drogas. No período mais duro, fumava cinco pedras por dia, dormia ao relento e mal se alimentava.
"Antes desse período, eu chorava de saudades dos meus pais. Eu fui destruindo a minha família. Nas drogas, a gente deixa a dignidade e se torna egoísta e desleal", conta Rafael.
Renascimento
Para a família, é como se Rafael estivesse renascendo. Vida nova. Edit e José até se lembram dos dias de angústia, sem notícias do filho. Mas agora, preferem vislumbrar o futuro. "A gente recuperou parte da nossa família e estamos revivendo momentos que sempre pudemos ter, antes das drogas terem entrado no caminho", diz a mãe do rapaz. "Agora, é botar as coisas no lugar e conservar isso. Vamos curtir cada minuto", finaliza o pai.
Fases do tratamento
Desintoxicação: medicação e acompanhamento por equipe médica e psicológica (3 meses de duração)
Adaptação e reintegração: preparação para vivência em sociedade; começa a receber visitas na clínica, com acompanhamento (3 meses)
Ressocialização: processo de retomada de contato como a sociedade; inclui três visitas à família. (3 meses)
Avaliação: paciente e família passam por avaliação com equipe clínica, que decide de amplia o tratamento ou dá alta.
Ao cruzar o portão da casa dos pais, em Colombo, na quinta-feira, Rafael Nunes da Silva, de 31 anos, tinha uma certeza: ele já não é mais aquele jovem fotografado no Centro de Curitiba em outubro do ano passado, quando estava consumido pelo crack. Os olhos azuis e os traços finos são os mesmos da foto compartilhada milhares de vezes no Facebook. Mas ele parece ter deixado para trás o peso sombrio da dependência química.
"Pela primeira vez em 14 anos, tenho a possibilidade de conviver com meus pais sem estar entorpecido, sem a ânsia provocada pelas drogas e com consciência do meu papel. É como se eu tivesse me tornado outra pessoa", diz.
Há sete meses o rapaz passa por um tratamento intensivo, em uma clínica particular no interior de São Paulo que se ofereceu para ajudá-lo. A primeira visita à família faz parte do período de ressocialização, última etapa do tratamento. De barba feita e cabelos curtos, o ex-modelo foi recebido com um almoço digno da importância do reencontro: costela de forno, maionese e salada. Na sobremesa, o doce "sonho cor-de-rosa" (com gelatina, creme e morango), do qual o rapaz estava com saudades.
Para o futuro, Rafael vislumbra retomar os estudos (está indeciso entre Engenharia Civil, Psicologia e Biologia) e não descarta a possibilidade de voltar a atuar como modelo. Mas o principal sonho é militar para resgatar outros jovens que vivem sob o drama das drogas. Ele pensa em ministrar palestras e fazer trabalhos voluntários, a partir do seu exemplo de superação.
"Eu aprendi muito sobre dependência química e sobre o comportamento do usuário. Pretendo usar essa experiência para participar de ações sociais que ajudem a sociedade e que isso possa ser um exemplo de afeto e amor ao próximo", revela.
Enquanto isso, Rafael aproveita os intervalos entre uma entrevista e outra (só ontem, foram seis) para curtir os afagos dos pais, José Nunes da Silva e Edit Claurele Nunes. "A vida sem drogas tem sabor. Quando se usa droga, a vida passa muito rápido e quando você se dá conta você perdeu momentos importantíssimos", diz.
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