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Aniversário

Raridades desde 1697

 | Fotos: Valterci Santos/ Gazeta do Povo
(Foto: Fotos: Valterci Santos/ Gazeta do Povo)
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Se fôssemos empilhar todos os documentos do arquivo público do Paraná chegaríamos a ter cinco vezes a altura do maior prédio do mundo, que tem 828 metros e fica em Dubai. São cerca de 4 mil metros de folhas (uma sobre a outra) que formam o acervo que conta a história do estado sob diversos pontos de vista. Os documentos mais velhos estão guardados a sete chaves – há cópias dos originais, porque eles estão tão velhos que só de olhar desmancham. Trata-se dos inventários de dois grandes proprietários de terra do Paraná: o bandeirante e fundador de Curitiba Baltazar Carrasco dos Reis e o empresário João Leme da Silva. Eles foram escritos, respectivamente, em 1697 e 1698.

Analisar o inventário de Silva, por exemplo, é ter uma verdadeira aula de história, pois é possível compreender como vivia a população do estado durante o período colonial. O documento é uma prova de que havia negros e índios que eram escravizados por aqui (contrariando algumas correntes históricas que colocam em dúvida se houve escravidão no Paraná). O inventário mostra que Silva tinha cerca de 60 escravos divididos entre as raças gentis da terra (nome dado aos índios) e gentis da guiné (os africanos). Silva, inclusive, avalia o valor de cada um dos seus empregados escravizados. Um gentil da terra de nome Sebastião e suas três filhas (Luzia, Verônica e Piriná) valiam, na época, 60 mil réis. A mulher de Se­­bastião, Asença, foi calculada à parte: só ela valeria 30 mil réis. Era costume inventariar também ferramentas usadas na agricultura e louças da casa – uma espingarda valia 8 mil réis e um prato de estanho, 1,6 mil réis. "O pa­­pel usado para fazer o inventário provavelmente vinha de Portugal, porque não havia produção de papel por aqui", explica a historiadora do arquivo público Bruna Ma­­rina Portela. Também sobre os índios e africanos, há uma lista dos que receberam alforria e dos que continuaram escravizados por mais tempo.

Dops

O arquivo guarda 47,5 mil fichas de pessoas "cadastradas" pelo De­­par­­tamento de Ordem Política e So­­cial (Dops), porque elas eram consideradas subversivas. Entre os nomes es­­tá o de Hatsutaro Akutso, que era mi­­li­­tan­­te a organização terrorista ja­­ponesa. Hatsutaro tem três fichas – uma de 1948, outra de 1949 e uma de 1963 – esta última sentenciou a data limite para que ele fosse expulso do territó­­rio brasileiro. Ele era lavrador, nasceu no Japão e morou em São Pau­­lo e Curi­­tiba. Chegou a ser preso na pe­­niten­­ciária central do estado por "exercer ati­­vidades nocivas à segurança nacional" durante a ditadura militar. Ainda en­­tre os documentos do Dops, o arquivo público guarda o re­­gis­­tro do movimento estudantil no Paraná. O Dops tinha infiltrados responsáveis por tirar fotos dos estudantes para um futuro re­­conhe­­ci­­mento. Havia interesse principalmente pelos que faziam parte da UNE (União Nacional dos Estudantes).

Não é preciso ir muito longe pa­­ra poder ver pessoalmente a assinatura do romancista e contista Machado de Assis ou do antigo presidente do Brasil Marechal Deo­­do­­ro. Documentos escritos por essas duas personalidades foram destinados ao Paraná no período em que eles ocuparam cargos públicos e os papéis, até hoje, estão guardados no arquivo. Machado foi diretor da Secretaria de Estado dos Negócios de Agricultura, Comércio e Obras Públicas do país e enviou car­­ta ao presidente da província listando os privilégios que foram concedidos aos industriais durante os anos de 1888 e 1889. Já Deo­­doro nomeava Fran­­cisco Xavier da Silva para o cargo de terceiro vice-governador do Paraná, em 1890.

"Traçado impreciso"

O comandante Manoel Eufrásio de Assunção mostrou suas habilidades, em 1861, ao desenhar para um alfaiate como deveria ser a farda para a banda de música da Companhia Policial da Província do estado do Paraná. O próprio comandante encaminhou as medidas das roupas dos policiais e chegou a pedir desculpas, no documento, pelo traçado impreciso.

Já o italiano Frei Timóteo, capuchinho missionário de Castel Nuo­­vo, relatou em um documento escrito em 1858 o pedido de retorno de índios e africanos livres que teriam "fugido" do aldeamento, ha­­via cerca de dois anos, e ainda não teriam voltado. "Este documento dá uma ideia de como eram os aldeamentos no estado. Mostra a questão da catequização e civilização indígena. Sabe-se que volta e meia este povo vinha a Curitiba para pedir brindes, por exemplo", explica Bruna.

As prateleiras do arquivo, que parecem não ter fim, zelam por documentos e fotos do século 17 ao 21 – tudo isso ao dispor do público. Além dos despachos oficiais do atual governo, há uma coleção de fotos como a do ex-governador Moysés Lupion cumprimentando o presidente Juscelino Kubitschek. "Este acervo, em especial, é grande porque a família Lupion resolveu doar tudo ao arquivo após a morte dele. Tem, inclusive, fotos do casamento, notas fiscais de viagens e sobre as empresas que pertenceram a Lupion", afirma Bruna.

Aniversário

Na próxima quarta-feira, 7 de abril, o arquivo público completa 155 anos e vai comemorar a data com um site novo e palestras especiais no seu próprio auditório. Estão previstas as presenças do jornalista e escritor Laurentino Go­­mes, das historiadoras Joseli Maria Nu­­nes Mendonça e Marion Bre­­pohl de Magalhães e do bacharel em arquivologia Lamberto Ricarte Serra Junior. O evento começa às 9h30 e termina no final do dia. "Somos o segundo arquivo público mais antigo do Brasil (o primeiro é o de São Paulo). Para este aniversário estamos terminando um projeto, com a ajuda do BNDES, para poder identificar e recondicionar volumes e documentos que fazem parte do acervo histórico. A intenção é facilitar cada vez mais a vida do pesquisador e das pessoas que nos procuram. Já tivemos um trabalho de catalogação premiado pelo Iphan", afirma a diretora do arquivo, Daysi Lúcia Ramos de Andrade.

Serviço

O arquivo público fica na Rua dos Funcionários, 1.796, Cabral. Telefone: (41) 3352-2299. Abre de segunda a sexta-feira das 9 às 17h30. Site: www.arquivopublico.pr.gov.br

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