Se fôssemos empilhar todos os documentos do arquivo público do Paraná chegaríamos a ter cinco vezes a altura do maior prédio do mundo, que tem 828 metros e fica em Dubai. São cerca de 4 mil metros de folhas (uma sobre a outra) que formam o acervo que conta a história do estado sob diversos pontos de vista. Os documentos mais velhos estão guardados a sete chaves há cópias dos originais, porque eles estão tão velhos que só de olhar desmancham. Trata-se dos inventários de dois grandes proprietários de terra do Paraná: o bandeirante e fundador de Curitiba Baltazar Carrasco dos Reis e o empresário João Leme da Silva. Eles foram escritos, respectivamente, em 1697 e 1698.
Analisar o inventário de Silva, por exemplo, é ter uma verdadeira aula de história, pois é possível compreender como vivia a população do estado durante o período colonial. O documento é uma prova de que havia negros e índios que eram escravizados por aqui (contrariando algumas correntes históricas que colocam em dúvida se houve escravidão no Paraná). O inventário mostra que Silva tinha cerca de 60 escravos divididos entre as raças gentis da terra (nome dado aos índios) e gentis da guiné (os africanos). Silva, inclusive, avalia o valor de cada um dos seus empregados escravizados. Um gentil da terra de nome Sebastião e suas três filhas (Luzia, Verônica e Piriná) valiam, na época, 60 mil réis. A mulher de Sebastião, Asença, foi calculada à parte: só ela valeria 30 mil réis. Era costume inventariar também ferramentas usadas na agricultura e louças da casa uma espingarda valia 8 mil réis e um prato de estanho, 1,6 mil réis. "O papel usado para fazer o inventário provavelmente vinha de Portugal, porque não havia produção de papel por aqui", explica a historiadora do arquivo público Bruna Marina Portela. Também sobre os índios e africanos, há uma lista dos que receberam alforria e dos que continuaram escravizados por mais tempo.
Dops
O arquivo guarda 47,5 mil fichas de pessoas "cadastradas" pelo Departamento de Ordem Política e Social (Dops), porque elas eram consideradas subversivas. Entre os nomes está o de Hatsutaro Akutso, que era militante a organização terrorista japonesa. Hatsutaro tem três fichas uma de 1948, outra de 1949 e uma de 1963 esta última sentenciou a data limite para que ele fosse expulso do território brasileiro. Ele era lavrador, nasceu no Japão e morou em São Paulo e Curitiba. Chegou a ser preso na penitenciária central do estado por "exercer atividades nocivas à segurança nacional" durante a ditadura militar. Ainda entre os documentos do Dops, o arquivo público guarda o registro do movimento estudantil no Paraná. O Dops tinha infiltrados responsáveis por tirar fotos dos estudantes para um futuro reconhecimento. Havia interesse principalmente pelos que faziam parte da UNE (União Nacional dos Estudantes).
Não é preciso ir muito longe para poder ver pessoalmente a assinatura do romancista e contista Machado de Assis ou do antigo presidente do Brasil Marechal Deodoro. Documentos escritos por essas duas personalidades foram destinados ao Paraná no período em que eles ocuparam cargos públicos e os papéis, até hoje, estão guardados no arquivo. Machado foi diretor da Secretaria de Estado dos Negócios de Agricultura, Comércio e Obras Públicas do país e enviou carta ao presidente da província listando os privilégios que foram concedidos aos industriais durante os anos de 1888 e 1889. Já Deodoro nomeava Francisco Xavier da Silva para o cargo de terceiro vice-governador do Paraná, em 1890.
"Traçado impreciso"
O comandante Manoel Eufrásio de Assunção mostrou suas habilidades, em 1861, ao desenhar para um alfaiate como deveria ser a farda para a banda de música da Companhia Policial da Província do estado do Paraná. O próprio comandante encaminhou as medidas das roupas dos policiais e chegou a pedir desculpas, no documento, pelo traçado impreciso.
Já o italiano Frei Timóteo, capuchinho missionário de Castel Nuovo, relatou em um documento escrito em 1858 o pedido de retorno de índios e africanos livres que teriam "fugido" do aldeamento, havia cerca de dois anos, e ainda não teriam voltado. "Este documento dá uma ideia de como eram os aldeamentos no estado. Mostra a questão da catequização e civilização indígena. Sabe-se que volta e meia este povo vinha a Curitiba para pedir brindes, por exemplo", explica Bruna.
As prateleiras do arquivo, que parecem não ter fim, zelam por documentos e fotos do século 17 ao 21 tudo isso ao dispor do público. Além dos despachos oficiais do atual governo, há uma coleção de fotos como a do ex-governador Moysés Lupion cumprimentando o presidente Juscelino Kubitschek. "Este acervo, em especial, é grande porque a família Lupion resolveu doar tudo ao arquivo após a morte dele. Tem, inclusive, fotos do casamento, notas fiscais de viagens e sobre as empresas que pertenceram a Lupion", afirma Bruna.
Aniversário
Na próxima quarta-feira, 7 de abril, o arquivo público completa 155 anos e vai comemorar a data com um site novo e palestras especiais no seu próprio auditório. Estão previstas as presenças do jornalista e escritor Laurentino Gomes, das historiadoras Joseli Maria Nunes Mendonça e Marion Brepohl de Magalhães e do bacharel em arquivologia Lamberto Ricarte Serra Junior. O evento começa às 9h30 e termina no final do dia. "Somos o segundo arquivo público mais antigo do Brasil (o primeiro é o de São Paulo). Para este aniversário estamos terminando um projeto, com a ajuda do BNDES, para poder identificar e recondicionar volumes e documentos que fazem parte do acervo histórico. A intenção é facilitar cada vez mais a vida do pesquisador e das pessoas que nos procuram. Já tivemos um trabalho de catalogação premiado pelo Iphan", afirma a diretora do arquivo, Daysi Lúcia Ramos de Andrade.
Serviço
O arquivo público fica na Rua dos Funcionários, 1.796, Cabral. Telefone: (41) 3352-2299. Abre de segunda a sexta-feira das 9 às 17h30. Site: www.arquivopublico.pr.gov.br