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Reconhecidas pelos tradicionais atos de protestos como greves e ocupações de escolas, a Confederação Nacional dos Trabalhadores (CNTE) e a União Nacional dos Estudantes (UNE) apresentaram uma reação diferente em relação aos cortes na educação realizados pelo governo Lula. As duas restringiram a sua insatisfação a publicações em redes sociais e notas públicas, sem criticar o governo federal, um comportamento muito diferente se comparado ao realizado no passado, em resposta a medidas similares dos ex-presidentes Jair Bolsonaro e Michel Temer.
Desde janeiro, os cortes e bloqueios realizados em diferentes áreas no orçamento do Ministério da Educação (MEC) somam mais de R$ 448 milhões. Além disso, recentemente a Capes, autarquia responsável pelos cursos de mestrado e doutorado no país, teve um corte de R$ 116 milhões. Somados, os bloqueios representam R$ 564 milhões dos recursos do MEC. Mesmo assim, as duas entidades evitaram qualquer conflito com o governo federal.
Na plataforma X (antigo Twitter), a UNE criticou as reduções orçamentárias da Capes, mas sem citar o governo federal e o presidente Lula. A Gazeta do Povo não encontrou nenhum pronunciamento da CNTE em seu site ou redes sociais sobre o corte da Capes.
O primeiro corte realizado pelo governo Lula foi em julho de 2023 e somou R$ 332 milhões. Do total, R$ 201 milhões estavam previstos para a educação básica, R$ 11,6 milhões para educação profissional e tecnológica e R$ 119 milhões para ensino superior. Os cortes, no entanto, passaram praticamente esquecidos pelas duas entidades, que preferiram focar suas manifestações em temas como a revogação do novo ensino médio e pelo cumprimento do piso nacional da educação.
Em agosto, a UNE foi às ruas, mas pouco se viu propriamente sobre os cortes. Nas redes sociais, a cobertura foi amena com frases como “é preciso garantir um orçamento adequado”, sem mencionar o governo federal. Enquanto isso, os atos de São Paulo estampavam os rostos de Tarcísio de Freitas (Republicanos) e Renato Feder, respectivamente governador e secretário de educação do estado. No começo de julho, o presidente Lula participou do congresso da UNE, onde foi aclamado pelos presentes.
A CNTE também foi às ruas em agosto, seguindo a mesma linha da UNE: pedindo a revogação do novo ensino médio e o respeito ao piso nacional do magistério. No release da convocação, eles afirmam que o ato “visa pressionar os poderes Executivo e Legislativo por mais qualidade no setor e pela valorização da educação pública e de seus profissionais”. Mas a referência ao bloqueio realizado pelo MEC foi acompanhada de justificativa em uma nota pública, afirmando que “a CNTE reconhece o esforço do atual Governo – com o apoio do Congresso Nacional – de recompor os orçamentos das áreas sociais no final de 2022”.
Ocupações e greves marcaram governos anteriores
O comportamento atual contrasta com as ações das entidades no passado.
Em 2016, enquanto a PEC do Teto de Gastos estava tramitando no Congresso Nacional, milhares de escolas, institutos e universidades foram ocupados por estudantes, com o apoio e fomento da UNE e outras entidades estudantis. Para os manifestantes, não deveria haver limite de gastos para as áreas de saúde e educação.
Durante o mandato de Jair Bolsonaro (PL), inúmeros atos foram realizados por sindicatos. Em maio de 2019, a CNTE organizou um protesto diante de um anúncio de bloqueio de 30% nas verbas discricionárias das universidades, verbas que foram contingenciadas e devolvidas em parte no fim daquele ano.
A Greve Geral da Educação também ocorreu em 2019, mas em outubro. Houve manifestações em diversas cidades do país com pautas até sobre privatização da Petrobrás. Diferentemente de agora, as palavras de ordem eram sempre direcionadas ao presidente.
Na contramão, ANDES critica o governo Lula
Nas manifestações contra os cortes houve entidades sindicais mais coerentes com a sua trajetória, como a Andes-SN (Associação Nacional dos Docentes de Ensino Superior – Sindicato Nacional). “O governo segue contradizendo discurso e prática nas políticas sociais”, escreveu a agremiação em nota que repudia o corte da Capes. No texto, a Andes contrapõe o conteúdo de um discurso do presidente Lula, sobre a importância da educação, e a notícia, dias depois, do bloqueio orçamentário.
Entre as críticas, a Andes também aponta o arcabouço fiscal como instrumento para “diminuir os recursos destinados para áreas essenciais, como saúde e educação, em detrimento da destinação de dinheiro para amortização da dívida pública”.