Desde 2004, o reajuste máximo definido pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) aos planos de saúde individuais e familiares, usados por cerca de 10 milhões de brasileiros, tem ficado acima da inflação. O anúncio desse porcentual é feito normalmente em maio, mas o mês está terminando e ainda não há previsão de quando o índice será divulgado. A expectativa é de que, novamente, ele seja alto, e acima dos 8,17% medidos pelo IPCA nos últimos 12 meses até abril. Entre os principais motivos para isso estão o aumento dos custos médico-hospitalares, sempre acima da inflação, e o impacto da última atualização do rol de procedimentos obrigatórios (exames, cirurgias e tratamentos que as operadoras devem cobrir).
Contratos também têm reajuste por idade e sinistralidade
Além da data de aniversário do contrato, outros dois critérios são usados para a correção dos planos de saúde: faixa etária e sinistralidade. Segundo explica a Associação de Consumidores Proteste, o reajuste por mudança de faixa etária leva em conta a variação da idade do usuário de plano de saúde e atualmente acaba concentrando a maior parte das correções – que podem atingir um total de 500% ao longo do tempo – nas faixas de 44 a 48 anos e de 59 anos ou mais. Antes da entrada em vigor do Estatuto do Idoso, em 2004, as correções concentravam-se nas últimas faixas etárias e acabavam sobrecarregando os usuários mais velhos justamente na fase da vida em que eles mais precisam de um plano de saúde.
Já os reajustes por sinistralidade ou por revisão técnica ocorrem quando a operadora alega que o número de procedimentos e atendimentos (ou “sinistros”) cobertos foi maior do que o previsto em determinado período. Não deixa de ser uma alteração unilateral do contrato em prejuízo dos consumidores.
Quem procurar
Em caso de dúvida, os consumidores devem entrar em contato com a ANS por meio do Disque ANS (0800 701 9656) ou pela Central de Atendimento ao Consumidor no site da agência. Se houver suspeita de irregularidade ou algum problema a ser resolvido e o contato com a operadora e a ANS não adiantar, também vale procurar o Procon .
O último levantamento do Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS), divulgado em abril deste ano, mostrou que entre julho de 2013 e junho de 2014, o custo médico-hospitalar dos planos de saúde subiu 17,7%, mais que o dobro da inflação de 6,5% medida no período pelo IPCA. De maneira geral, embora o setor de saúde suplementar tenha altas receitas, elas são seguidas de perto pelos custos (veja no gráfico), o que acaba resultando em preços mais altos para o consumidor.
Em janeiro de 2014, quando a ANS atualizou o rol obrigatório dos planos de saúde, uma das entidades que reúnem os diferentes tipos de planos de saúde com sede no Paraná, a Abramge PR/SC, estimou o impacto da mudança entre 2% e 3% nas contas das operadoras. A ANS, por sua vez, prometeu que avaliaria somente em janeiro de 2015 o impacto do rol nos custos do setor e adiantou que parte desse impacto poderia ser repassada ao reajuste das mensalidades deste ano.
Em 2013, por exemplo, 0,77% do teto dos reajustes para plano individuais e familiares de 9,04% veio do impacto do rol. Na série histórica das avaliações, o maior impacto medido pela ANS até hoje foi de 1,1%.
O CÁLCULO
Embora o cálculo da ANS para chegar ao teto dos reajustes dos planos individuais seja um tanto complexo, a base para ele é a média ponderada dos porcentuais aplicados pelas operadoras aos planos coletivos com mais de 30 beneficiários. A reportagem não conseguiu estimar os últimos reajustes dos coletivos porque esses contratos estão cada vez mais pulverizados e são cada vez maioria entre o universo total de usuários no país: 80% de 50,8 milhões de pessoas.
SERVIÇOS
Novos procedimentos vão impactar os reajustes dos planos de saúde. São 50 novos exames, cirurgias, 37 medicamentos orais para os tipos mais comuns de câncer e 29 testes e tratamentos para doenças genéticas que as operadoras de saúde privadas foram obrigadas a cobrir.
IMPACTO
Ainda em outubro de 2013, a associação dos planos de saúde de medicina de grupo, que representam 23% do mercado, a Abramge, entrou com uma ação na Justiça pedindo que a ANS passasse a estimar o impacto financeiro da atualização do rol antes de obrigar as operadoras a implantá-lo. A entidade chegou a obter uma liminar, mas ela foi derrubada logo por um recurso da Procuradoria Geral da República. A estimativa de impacto pode parecer uma medida lógica para o planejamento das empresas, mas é considerada injusta pelas entidades de defesa do consumidor, já que para o cliente nunca é oferecida uma vantagem como esta.
Correção retroativa deve ser parcelada
O índice de reajuste autorizado pela ANS pode ser aplicado apenas para planos cujos contratos fazem aniversário entre maio de 2014 e abril de 2015. Se houver atraso no anúncio da ANS, a correção pode ser aplicada retroativamente. Em 2014, o índice máximo foi divulgado pela ANS em julho. Para os clientes cujos contratos faziam aniversário em maio, a correção incidiu sobre as mensalidades de agosto, setembro e outubro. A orientação é para que o reajuste retroativo incida dessa forma, em parcelas sobre as mensalidades seguintes. Tentativa de cobrar a correção retroativa de uma única vez ou mesmo de se aplicar um reajuste acima do permitido deve ser denunciada à ANS.
Aumento do custo da saúde é caminho sem volta, alerta especialista
Para a professora Ligia Bahia, do Laboratório de Economia da Saúde da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a tendência de aumento das despesas com saúde, incluindo medicamentos e planos de saúde acima da inflação em geral e, sobretudo, acima do crescimento econômico do país é algo que já se consolidou no Brasil, o que significa que as famílias terão de dedicar maior proporção dos orçamentos domésticos para os gastos assistenciais. Mas isso não quer dizer que a busca pelo preço mais justo ao consumidor – ou mesmo cidadão, sob o ponto de vista da saúde como um direito de todos – deve acabar.
A ANS montou por mais de uma vez grupos de trabalho com o objetivo de buscar a melhor metodologia para regular o mercado dos planos de saúde, sobretudo o modelo de reajuste dos contratos individuais e familiares, sobre os quais a Agência tem influência direta por lei. O último grupo de trabalho encerrou as reuniões em 2011 com uma proposta incompleta: indicou um modelo econômico baseado no Price Cap, que leva em consideração um índice de variação de custos que contempla: eventos imprevistos, um fator de produtividade e um fator de qualidade. Mas os integrantes do grupo de trabalho chegaram à conclusão de que seria necessário construir uma série histórica mais longa e robusta das informações contábeis das operadoras para que fosse possível reavaliar a evolução dos custos do setor.
Com isso, a metodologia– baseada na média ponderada das correções dos planos coletivos, negociados entre clientes e operadoras sem interferência direta da ANS, entre outros itens – continua a mesma desde 2001 e não dá conta de acompanhar o poder aquisitivo dos mais de 10 milhões de usuários que possuem contratos individuais ou familiares no país.
Para Ligia, não se trata apenas de escolher uma técnica de cálculo, e sim de conhecer e dar conhecimento, transparência, ao público sobre os reais gastos com saúde. “Do jeito que está quem oferta os serviços se sente lesado porque os valores pagos pelas empresas de planos são inadequados e os pacientes se julgam lesados, inclusive porque cada vez mais são instados a pagar por fora complementado de alguma forma médicos e materiais cirúrgicos.”
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