Enfim chegou o dia da meia-noite mais aguardada do ano. Mais que uma folhinha a menos no calendário, a deste sábado, últumo dia de 2005, pede a troca do calendário inteiro – o que talvez ajude a explicar a ilusão coletiva de que tudo será renovado a partir do momento em que os três ponteiros do relógio se alinharem no número 12, reiniciando o ciclo que inventamos para medir o tempo. Hoje, portanto, é dia de reanimar a esperança que foi murchando ao longo do ano e realimentar a torcida por fartura, dinheiro, felicidade, satisfação no trabalho, sorte no amor e saúde em abundância, para nós e para aqueles de quem gostamos.

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E qualquer ajuda nesse sentido é bem-vinda. É aí que entram as mais variadas simpatias, crendices e superstições de ano-novo, seguidas nessa época até pelas pessoas mais céticas. Afinal, "se não fizer bem, mal não faz", garantem.

As campeãs de popularidade no Brasil continuam sendo vestir-se de branco (com algumas peças amarelas – para atrair dinheiro – e/ou vermelhas – para o amor), comer lentilhas (porque os grãos lembram moedas), romãs ou uvas e pular sete ondas com o pé direito.

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Mas tem gente que promove rituais mais complexos ou se dispõe a pôr em prática todos os que conhece "para garantir". É o caso da fonoaudióloga Ana Paula Silva Ferreira. "Eu só cumprimento as pessoas depois de terminar as simpatias", confessa.E não são poucas: "À meia-noite eu subo numa cadeira com o pé direito e como lentilha, como sete uvas e guardo as sementes na carteira por um ano, para atrair dinheiro, dou sete voltas ao redor de uma mala, para viajar bastante, escrevo o que desejo para o ano num papel, dobro, ponho embaixo de uma vela e depois guardo na carteira, para abrir só no réveillon seguinte, e aí eu vou abraçar primeiro uma pessoa do sexo oposto, para ter sorte no amor", ensina.

E avisa aos incrédulos: "A maioria das coisas que eu pedi deu certo. Tudo o que você faz com fé não tem como dar errado". Mas se tivesse que indicar uma das simpatias, seria a da mala. "Viajei bastante este ano, praticamente todo feriado", lembra.

Engana-se também quem imagina que esses rituais sejam coisa de gente menos esclarecida. A administradora e professora universitária Soraia Marques, por exemplo, todo ano vai à praia levar oferendas a Iemanjá. "Eu monto o kitzinho dela, com espelho, perfume, batom, rosas brancas, arrumo num barquinho, espero a sétima onda bater enquanto rezo um pai-nosso ou uma ave-maria, agradeço pelo que tive de bom no ano que passou e mando pra ela. É a minha forma de agradecer", diz. E funciona? "Tendo fé, as coisas vêm naturalmente. E é importante não se preocupar em pedir coisas materiais", destaca.

Atendente de uma loja de artigos religiosos no centro da capital, Michele Hasselmann, 23 anos, confirma que o kit para Iemanjá e as velas, além dos "banhos de descarrego", são os artigos mais procurados nessa época. E ela mesma tem os seus rituais. "Uso branco, como uvas e sete punhados de lentilha em pé. Também pulo as sete ondas, para Iemanjá levar as coisas ruins para o fundo do mar e trazer as coisas boas", comenta.

Há crendices mais singelas – "eu escrevo uma carta com o que eu desejo para o próximo ano, escondo onde ninguém vai mexer e só abro no ano novo seguinte", conta a estudante Aline Stocco, de 19 anos – e também outras relacionadas à gastronomia, como mostra a atendente de supermercado Eliane de Lima, 28 anos: "Eu só como carne suína no ano-novo porque o porco fuça para a frente. Nada de galinha, peru e outras aves, que ciscam para trás".

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Outros, por rebeldia ou provocação, preferem fazer justamente o contrário do que se recomenda. "No ano passado passei a virada toda de preto, só para ser diferente, porque todo mundo estava de branco", conta Rita de Cássia, de 20 anos.

Também é flagrante a predominância das mulheres entre os supersticiosos. Os homens vão mais na onda, influenciados por elas. "Minha mãe comprou uma camiseta amarela e disse para eu usar na virada, porque diz que atrai dinheiro. Eu vou usar", resigna-se o caricaturista Marcos Barreto, 32 anos. Vale tudo para prorrogar o prazo de validade da esperança.