A polêmica da vez é o processo do Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar) contra a nova campanha publicitária do banco Itaú Unibanco, chamada “Digitau”, em resposta à reclamação de 15 consumidores de que crianças poderiam ser induzidas a erro de ortografia em relação à palavra “digital”. A reação dos consumidores reacende a discussão sobre os usos da língua portuguesa e o desenvolvimento de competências textuais-discursivas.
Na avaliação de Angela Gusso, doutora em Linguística e professora da PUCPR, trata-se de preciosismo desnecessário. ”A propaganda faz o que chamamos de cruzamento vocabular, um recurso típico da linguagem publicitária. É um recurso inteligente, que provoca a associação de ideias. A criança vai ler a grafia ‘digitau’ e vai perceber que se trata de um jogo de palavras. Esse exercício de interpretação e de percepção dos diferentes usos linguísticos também é aprendizado”, explica.
A pedagoga e doutora em Educação Evelise Portilho, também da PUCPR, concorda. Ela lembra que a grafia é maleável, principalmente quando se trata de nomes próprios, sejam de pessoas ou empresas, como é o caso do Itaú. “O banco fez uma brincadeira bastante criativa com o nome da empresa. Crianças e mesmo adultos pouco familiarizados com o recurso têm plena capacidade de compreender a mensagem de que aquele ‘digitau’ é o serviço oferecido pelo banco”, avalia.
Para Evelise, a propaganda ainda traz um bom exemplo de sonoridade da língua portuguesa. “Nossa língua tem esse aspecto forte da sonoridade – temos mal e mau; s com som de z; cedilha com som de c. Eu usaria essa propaganda em sala de aula para trabalhar sons semelhantes e grafias diferentes.”
Língua é diferente de escrita
Outro ponto levantado pelas especialistas está relacionado com as possibilidades diversas da linguagem e da própria língua. Angela explica que a língua é um organismo vivo, que sofre variação no tempo, nos espaços geográficos e nos grupos sociais; já a escrita é regida por normas ortográficas.
“A língua é um mosaico de falares distintos, já a escrita está sujeita a normas. Não podemos confundi-las. Para efeitos de comunicação, a ortografia é importante em documentos oficiais, imprensa, literatura. Mas o mundo desenvolveu outras formas e suportes de comunicação que não exigem normas ortográficas para cumprir a função de comunicar, como vemos na internet e na publicidade.”
A linguista explica que mesmo para uma criança em fase de alfabetização o contato com novos códigos, com abreviações e substituições, não é problemático. Pelo contrário, desenvolve a capacidade de percepção e interpretação textual-discursiva. “Problemático é não praticar todas as formas de usos linguísticos. É preciso saber como e quando utilizar as normas ortográficas.”