Confira os pontos que devem ser foco dos inquéritos do Ministério Público e da Polícia Militar que investigam o ataque da polícia aos professores no dia 29 de abril. Ainda na quarta-feira (13), o Ministério Público Federal também abriu investigação para apurar se direitos humanos foram violados naquele dia
Ordem de dispersão ou proclamação
Pelo manual de Controle de Distúrbios Civis usado pela Polícia Militar, a proclamação é a primeira etapa após o esgotamento das negociações. Se os policiais responsáveis pela “batalha do Centro Cívico” consideravam que o diálogo tinha chegado ao fim no momento em que alguns dos manifestantes tentavam transpor as grades posicionadas em frente da Assembleia Legislativa, deveriam, então, ter anunciado em alto e bom som que a força seria empregada. Assim, as pessoas que quisessem evitar o “choque” poderiam sair da região. Por isso, é praxe que o caminhão do Batalhão de Operações Especiais da PM tenha equipamento de som adequado. O problema, porém, é que não houve o aviso de dispersão, segundo policiais ouvidos pela reportagem.
Foco na turba e não na multidão
Às 14h55 daquele dia, manifestantes tentavam furar a barreira montada por cercas metálicas e cordão de policiais. Era o estopim da “batalha do Centro Cívico”, segundo relatos de repórteres que cobriram os fatos do dia 29. Ali, conforme apurou a reportagem, esses agentes da PM deveriam ter focado no controle de quem estava tentando invadir a Casa do Povo.
O que diz a PM
A reportagem procurou a instituição para falar com os coronéis Nerino Mariano de Brito, subcomandante-geral, e Arildo Luís Dias, que comandou a operação no dia 29. Ambos, segundo o ex-comandante geral, César Kogut, deram as ordens que iniciaram o uso da força contra os manifestantes. A PM, porém, não se pronunciará antes do término das investigações.
Seria compreensível se usassem spray de pimenta e o bastão para controlar a turba – definida no manual da PM como “multidão que passa a promover desordem”. No entanto, policiais da inteligência, à paisana, deveriam ter identificado e detido, se necessário fosse, quem tentava passar a barreira. Mas, além dos agentes do cordão, teria havido emprego imediato de várias forças da tropa, desencadeando a violência desproporcional contra a turba e outros manifestantes que não davam indícios de que pretendiam ocupar a Assembleia.
Exagero de efetivo
Não é preciso saber o total exato do efetivo empregado para analisar indícios de exageros no número de policiais. Passaram dos 1,6 mil. Policiais do interior, de várias unidades de Curitiba e região e até policiais ainda em formação na Academia de Polícia Militar do Guatupê estiveram presentes. Embora apenas o MP e a PM possam definir, pelas apurações, se houve excesso, é possível suspeitar de um erro técnico na chegada da tropa no dia 29.
Segundo o manual da PM, o desembarque dos policiais no “teatro de operações” deve ser feito longe das vistas dos manifestantes. Desde o fim de semana que antecedeu o dia 29, policiais chegavam a olhos vistos. Foi parte do planejamento. Pode-se argumentar que houve necessidade para formar o cerco, mas é certo que a visibilidade do efetivo empregado aumentou a tensão entre manifestantes.
Falta de inteligência
Os black blocs que estariam na “batalha do Centro Cívico” até agora não foram identificados. Mas é possível que estivessem lá. Eles são, em sua maioria, jovens estudantes que participam de movimentos sociais na cidade. Desde a Copa das Confederações, o termo black bloc começou a ser usado para rotulá-los como um grupo violento. Em junho de 2013, alguns deles chegaram a atirar coquetéis molotov contra policiais do Bope que estavam embaixo da marquise do Palácio Iguaçu. Naquela ocasião, a polícia teve paciência. Ano passado, durante a Copa do Mundo, a polícia também teve paciência e inteligência, ao monitorar os black blocs constantemente. Vários agentes se infiltraram nas manifestações. Chegou-se a descobrir que o filho de um policial militar participava do grupo de black blocs. No dia 29 de abril deste ano, a estratégia mudou. Nenhum black bloc foi identificado previamente ou retirado de cena para evitar o tumulto. Seguindo as orientações do manual da PM, a tropa também devia ter evitado atirar bombas de gás,em razão da proximidade de uma creche. Há ainda relatos de policiais que apontam para uma falha da radiocomunicação da PM, o que dificultou o controle da tropa. A regra de ouro, de preservar a integridade física das pessoas, segundo vários policiais, foi desrespeitada. por uma sucessão de erros.
Ataque total
De acordo com policiais, a operação “Centro Cívico” foi a única na história recente do estado em que houve emprego total de quase todos os meios de força da Polícia Militar ao mesmo tempo. Além dos cães, atiradores de elite foram posicionados – instrumento considerado importante como ato de prevenção – e até helicóptero foi usado. O problema é que não teria havido aplicação gradual, mas uma espécie de ataque total. Jato d’agua, bastões, sprays de pimenta, dois modelos de balas de borracha, bombas de gás lacrimogênio e efeito moral deveriam ter sido usados gradualmente. Pela visão de policiais, apenas o segundo e o terceiro instrumentos citados poderiam ter sido usados juntos na contenção da barreira. Todos esses meios foram empregados de uma vez só, segundo vários professores que participaram da manifestação. Relatos deles ao Ministério Público apontam ainda que bombas de efeito moral e gás foram arremessadas do helicóptero – o que aumentaria muito a probabilidade de vítima fatal – e que a tropa de choque teria disparado pelas costas dos manifestantes que tentavam furar o bloqueio para entrar na Assembleia.
Influências políticas
Embora o cenário que antecedeu a “batalha do Centro Cívico” tenha sido construído com várias decisões políticas, a operação policial precisava, necessariamente, ter sido baseada em questões técnicas. É por isso que a tropa treina exaustivamente o controle de distúrbios civis. Apesar disso, componentes políticos teriam contaminado o chamado “teatro de operações”, a nomenclatura dada pela polícia militar ao cenário das ações. No caso, a Praça Nossa Senhora de Salete. Entre esses aspectos políticos, os principais deles são o planejamento e a execução determinados pelo ex-secretário da Segurança Pública, Fernando Francischini, que é deputado federal, e pelos coronéis Nerino Mariano de Brito, subcomandante-geral da PM, com ligações estreitas com o titular da pasta, e Arildo Luís Dias, ex-assessor militar da Assembleia Legislativa do Paraná. Dias foi o comandante da operação no dia. Ele passou os últimos quatro anos trabalhando na segurança da Assembleia. Por isso, segundo policiais ouvidos pela reportagem, deveria ter sido poupado de trabalhar na ação, já que haveria um conflito de interesse natural. Em última análise, havia o risco, mesmo que mínimo, de Dias sofrer influência demasiada, tanto da Casa do Povo, como da Sesp. Nerino também poderia ter sido poupado, já que esteve presente em 1988 quando a cavalaria da PM passou por cima de vários professores.
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