Uma rede de lavagem de dinheiro que movimentou de forma supostamente ilegal R$ 10 bilhões foi desmantelada, ontem, pela Polícia Federal (PF), na operação "Lava Jato". Foram presas 24 pessoas, entre elas o doleiro de Londrina Alberto Youssef e um condenado pela ação penal 470, a do "mensalão", Enivaldo Quadrado, detido em Assis, São Paulo. Além de Youssef, preso em viagem ao Maranhão, foram detidos mais três doleiros, que também figuravam entre os principais atores do mercado paralelo de compra e venda de dólares no país. A ação da polícia ocorreu em cinco estados (Paraná, São Paulo, Distrito Federal, Santa Catarina, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Mato Grosso).
De acordo com o delegado federal que coordena a investigação, Márcio Anselmo, a apuração focou, até agora, na transferência ilegal de dinheiro para o exterior. Em nove meses de trabalho, a PF descobriu centenas de contas bancárias que remetiam milhões de dólares para a China e Hong Kong (saiba mais no gráfico). Essas contas eram de mais de cem empresas de fachada, que, por incontáveis vezes, segundo a polícia, simularam importações e exportações para o exterior com o objetivo apenas de receber e enviar dinheiro, sem que fosse concretizado o comércio com entrega ou recebimento de produtos.
Operações legais
Segundo Anselmo, os investigadores ficaram surpresos ao encontrar remessas feitas por várias contas de empresas de fachadas controladas por um doleiro entre 2009 e 2013 em um total de US$ 250 milhões no "câmbio oficial", que envolve operações realizadas corretamente, com registro no Banco Central. O delegado regional da unidade de combate ao crime organizado da PF no Paraná, Igor Romário de Paula, frisa que a origem do dinheiro é que era ilegal.
Muito dos recursos "lavados" eram mesclados com dinheiro lícito em fluxos de caixa das empresas usadas pelas quadrilhas, lavanderias e posto de gasolina. Em Londrina, o edifício arrendado por um grupo de hotéis, sequestrado pela Justiça, foi um dos reinvestimentos realizados com dinheiro supostamente "lavado".
"O principal objetivo da investigação foi cortar o fluxo financeiro dos doleiros", comentou o delegado Anselmo, durante entrevista coletiva na sede da PF, no bairro Santa Cândida, na região Norte de Curitiba.
O grupo também usava o método de "dólar a cabo" para transferir o dinheiro, além de transportar dinheiro fisicamente prendendo cédulas no corpo. Um dos doleiros, uma mulher, foi detida na sexta-feira passada no Aeroporto Internacional de Guarulhos, em São Paulo, ao ser flagrada com US$ 200 mil presos ao corpo.
A Gazeta do Povo tentou encontrar os advogados de defesa de Youssef e também de Enivaldo Quadrado, sem sucesso.
A caixa-preta chamada Alberto Youssef
Considerado por anos como um dos maiores doleiros do país, o morador de Londrina Alberto Youssef, 46 anos, é uma caixa-preta ambulante. "Se resolver falar tudo que sabe, limpa-se o estado. É o cara que poderia derrubar estruturas políticas e administrativas", conta um servidor público que já investigou Youssef por anos.
A reportagem da Gazeta do Povo conversou com duas pessoas que passaram parte da carreira investigando as ações do doleiro, que ficou conhecido na época da CPI do Banestado no começo dos anos 2000.
Tranquilo, confiante, chega a ser arrogante, conta um deles. Youssef foi interrogado inúmeras vezes, preso outras tantas, condenado, mas volta e meia seu nome vem novamente à tona por alguma suspeita. Sempre envolvendo lavagem de dinheiro e remessas ilegais para o exterior.
Era dono da empresa Youssef Câmbio e Turismo, quando foi denunciado pelo Ministério Público Federal (MPF). Ele já delatou, segundo reportagens da época, o ex-secretário da Fazenda de Maringá, Luiz Antônio Paolicchi, em 2000. Paolicchi, já falecido, foi condenado pela Justiça Federal dois anos depois.
Na época, ele afirmou que teria emprestado ao ex-secretário dinheiro para que fosse usado na campanha eleitoral de 1998. Os empréstimos teriam sido pagos com recursos desviados do município. "As conexões dele sempre extrapolaram o estado", afirmou um dos entrevistados. Por isso, comentam, que era muito difícil investigá-lo. "Havia muita proteção", declara outro.
As conexões aumentavam em razão da confiança adquirida por seus clientes. "É considerado de confiança por quem usa o serviço dele. Ele já foi preso várias vezes. Não entrega ninguém [apesar de ter revelado a história de Paolicchi]. Qualquer um que precise de alguém para regularizar dinheiro procurava por ele. Parece que nada mudou", afirma um dos servidores.