Um exército em cor-de-rosa se formou durante a manhã e tarde de ontem para se despedir de Azurita Medeiros, 71 anos, presidente da Rede Feminina de Combate ao Câncer. A líder da instituição morreu na madrugada de quarta-feira, de falência múltipla dos órgãos, e foi velada no Hospital Erasto Gaertner, onde funciona a liga da qual participam aproximadamente 500 voluntários – 350 em Curitiba e 150 em demais cidades do estado. Até o início da missa de corpo presente, às 15h30, o livro de presença registrava cerca de 700 assinaturas. O sepultamento foi às 17 horas, no Cemitério Municipal. Viúva de Carlos Medeiros, a líder deixou os filhos Carlos Alberto Dalla Bonna Medeiros e Rosane Medeiros Cherem, cinco netos e a mãe, Eunice Dalla Bonna, de 93 anos, com quem vivia, no bairro do Pilarzinho.

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Azurita estava no comando da Rede Feminina de Combate ao Câncer desde 2001, já em sua segunda gestão, tendo conseguido 95% dos votos, um feito inigualável. Ao todo, foi voluntária durante 25 anos, depois do convite feito por uma tia, Bernadete Sálvio.

É senso comum que sua administração marcou uma reviravolta no grupo – um dos projetos voluntários pioneiros do Paraná e do Brasil, já que as ligas começaram a pipocar a partir de 1947. Enérgica, intempestiva, direta, querendo tudo para ontem e "sem capas de açúcar", nos dizeres de Anita Casagrande, uma de suas companheiras de voluntariado, a dona de casa saltou do trabalho de formiguinha no bazar – para o qual fazia principalmente peças de tricô – para uma gestão marcada pela organização à prova de guerra. "Ela era nosso general", brinca a jornalista Juliana Hoffmann, funcionária da Rede, em busca de uma definição para a presidente mão-de-ferro. Mesmo às voltas com questões burocráticas, contudo, manteve o hábito de tricotar, "num cantinho", como lembram, principalmente quando os problemas de saúde se agravaram.

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A contar pelos depoimentos emocionados e carinhosos, o estilo despachado de Azurita não causava melindres entre as voluntários e voluntários (cerca de 20 homens estão filiados ao programa). Ao contrário, ajudou a revigorar a instituição, como lembram Nelly Müller, 80 anos, 42 de Rede, e Carlota de Mari – que completou 80 anos ontem, no velório da amiga. O médico superintendente do Hospital Erasto Gaertner, Luiz Antônio Negrão Dias, faz coro com as veteranas. "Ela era boa de briga. É preciso ter pulso firme para lidar com um grupo tão complexo como esse. As participantes fazem a barba e cabelo dos pacientes, dão comida na boca e ao mesmo tempo angariam verbas. Trabalham nos três turnos, e comparecem no sábado e no domingo." Atualmente, a Rede corre atrás de parcerias – além de mais sacas de cimento e tijolo – para a construção de uma nova ala, com custo estimado em R$ 10 milhões.

A Rede Feminina está integrada ao Erasto tanto quanto a sala de radioterapia ou as enfermarias. As voluntárias, afinal, construíram o hospital, ao longo de 18 anos, e participam, a viva-voz, da diretoria geral, lado a lado com o corpo médico. Seu surgimento tem contornos épicos. Nasceu em 1954, com 15 ou 20 mulheres reunidas pela mulher do médico Erasto Gaertner, Anita, na Rua XV de Novembro com a General Carneiro, numa época em que a idéia organizada de voluntariado era tão vaga quanto discos voadores – que dirá abrir plantas arquitetônicas, levantar verbas para pagar o pedreiro e erguer um hospital até a cumeeira. A empreitada findou em 1972, ano da inauguração.

O período foi muito longo para o mestre-de-obras e os pacientes, mas o suficiente para popularizar a Rede Feminina e suas senhoras de avental rosado, rosa na lapela e estrelas na manga, multiplicadas, uma a uma, a cada cinco anos de perseverança na obra. Tão populares, os "anjos de rosa" se tornaram uma das marcas registradas de Curitiba, como a Boca Maldita e a Orquestra de Harmônicas.

Ao assumir a presidência, quando já conhecia a confraria mais do que o quintal de casa, coube a Azurita desempoeirar essa história, vencer no grito as divisões internas e não deixar que a iniciativa de Anita Gaertner ficasse no período jurássico do voluntariado. A opinião é unânime: ela conseguiu. "Coloque aí, moço, que ela era uma guerreira incansável, uma lutadora", gritou à reportagem, em cima da hora, a voluntária Ana Maria Buabsi, companheira de trabalho da ex-presidente. Foi interrompida pela cantoria da missa que mexeu com a rotina e com a memória do Hospital Erasto Gaertner.