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Ao longo das últimas semanas, tivemos a inestimável oportunidade de trazer ao leitor da Gazeta do Povo reflexões sobre a legalização das drogas - especificamente sobre a maconha. O que nos estimulou na elaboração e publicação dos textos foi a percepção de que o debate sobre assunto tão relevante para a sociedade brasileira, por vezes, vem sendo feito com base em premissas que não refletem a realidade, ou ao menos denotam apenas parcela da verdade.
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De fato, partimos da percepção de que o debate sobre a legalização das drogas tem por base argumentos que defendem a medida, postos como verdades inquestionáveis, repetidos a todo instante e em várias instâncias. As afirmações são rasas e não revelam a complexidade do problema, tampouco avaliam os pontos negativos da solução que é posta como messiânica. Invariavelmente, para os mais diversos problemas sociais, a legalização surge como solução, sem que haja um necessário contraponto.
Qualquer tentativa de se colocar no debate com compreensão diversa traz ínsita a rotulação, cujo objetivo claro é calar o dissenso. A estratégia é explicada pela teoria do “espiral do silêncio”, cunhada por Elisabeth Noelle-Neumann, que, a partir de experimentos realizados, afirma que há uma tendência do ser humano em omitir sua opinião quando ela é conflitante com aquela que se imagina ser a opinião dominante, em virtude do receio de ser alvo de críticas ou mesmo de isolamento. Nas palavras da autora: [1]
“Observações feitas em determinados contextos estenderam-se a outros e estimularam as pessoas a proclamar suas opiniões ou a ‘engoli-las’ mantendo-se em silêncio até que, em um processo em espiral, determinado ponto de vista chegasse a dominar o cenário, ao passo que o outro desapareceria da consciência pública no emudecer de seus partidários. Esse é o processo que podemos qualificar de espiral do silêncio.” [2]
Afinal, não parece desumano tecer argumentos contrários à legalização das drogas, se essa medida é posta como solução de tratamento de crianças doentes? Não soa retrógrado ser contrário ao uso “recreativo” (pura diversão, ora bolas) das drogas, quando países mais desenvolvidos que o Brasil adotaram a medida? E porque não deixar de considerar crime o tráfico de drogas, já que a criminalização dá mais força ao tráfico e à violência urbana? De fato, como já afirmamos, os argumentos são sedutores, mas não prosperam face à realidade dos fatos!
Visando desmontar esses falsos argumentos foi que, no primeiro texto, cuidamos de trazer dados, obtidos a partir de estudos especializados, que demonstram que as drogas ilícitas, especialmente a maconha, diversamente do que se apregoa, são maléficas à saúde e trazem sérias consequências do ponto de vista da saúde pública. Não haveria outra forma de iniciar essa discussão, afinal de contas, estamos a tratar de crime contra a saúde pública.
Na sequência, buscamos explicar porque o uso das propriedades medicinais da maconha nada tem a ver com a legalização da droga, já que a utilização medicinal dos princípios ativos da maconha poderiam se dar independentemente da legalização. Com isso, descortinou-se a estratégia de correlação como um subterfúgio para se obter a queda da criminalização, sob falsas premissas. Uma verdadeira “âncora persuasiva”, que influencia as pessoas na direção do resultado pretendido: a legalização ampla e irrestrita das drogas.
No terceiro texto, escancaramos a falácia do dilema posto entre drogas lícitas, especialmente álcool e cigarro, e drogas ilícitas, demonstrando que a circunstância daquelas serem lícitas, invés de recomendar a legalização destas, recomenda a manutenção da criminalização.
No quarto artigo, expusemos as fragilidades do argumento segundo o qual a legalização das drogas seria um negócio lucrativo para o Estado, capaz de arcar com os custos de prevenção e tratamento de usuário. Demonstramos a relação deficitária hoje existente quanto à arrecadação de impostos sobre o consumo de álcool e cigarro, destacando que, quanto às drogas, a realidade não seria diferente. Manter-se-ia uma relação deficitária para o Estado, em detrimento do enriquecimento de poucos, especialmente aqueles envolvidos com as grandes empresas do “mercado das drogas”.
O quinto texto foi dedicado a discutir experiências internacionais de legalização das drogas, oportunidade na qual demonstramos que, ao menos em relação a Portugal, Holanda e Uruguai, a legalização não trouxe os resultados sociais prometidos pelos defensores da medida. O quadro completo demonstra aumento do consumo e dos índices de criminalidade, especialmente associados ao narcotráfico. Por outro lado, demonstrando que não se trata de um dilema de tudo ou nada, foi citada a experiência sueca, cujos números indicam resultados sociais extremamente satisfatórios, a partir de uma política calcada em prevenção, tratamento e leis firmes na repressão das drogas.
No texto que antecedeu o presente, foi proposta uma reflexão sobre a chamada “guerra às drogas”, ponderando-se se a política de enfrentamento às drogas no Brasil se mostrou fracassada, como apregoado, ou se, ao contrário, foi ela verdadeiramente esvaziada.
Demonstrou-se, nesse desiderato, que ao contrário do que se afirma, a legalização das drogas não tem o condão de diminuir o poder do tráfico ou os índices de criminalidade, seja porque o crime organizado possui diversas outras fontes de renda, ou porque o enfrentamento entre facções tem se revelado um fenômeno territorial, não estritamente associado à mercância de drogas. Ademais, sempre haverá a droga advinda do mercado ilegal, como atualmente ocorre, por exemplo, com o cigarro, o que impede a correlação entre legalização e enfraquecimento do crime organizado.
Ponderamos que se atribuir a “culpa” pelo aumento do número de violações da lei à criminalização das drogas constitui verdadeira inversão da lógica do fenômeno, sendo mais adequado creditar o aumento da criminalidade (ou o “fracasso” da política de drogas) a outros fatores concretos, como a ineficiência e leniência do sistema de Justiça e a impunidade, as quais têm repercussão direta na própria decisão do agente criminoso em desrespeitar a lei.
Esse cenário de tratamento laxista do tráfico de drogas, outrossim, foi corroborado com dados concretos que indicam que a jurisprudência dos Tribunais Superiores, especialmente do Supremo Tribunal Federal, vem esvaziando a eficiência dos instrumentos de repressão, alimentando um ciclo vicioso de reiteração na prática do crime e baixíssima perspectiva de punição.
O objetivo da série de textos que hoje se encerra, portanto, foi contribuir para a discussão na sociedade brasileira, trazendo um contraponto ao debate sobre legalização das drogas, que em sua maioria vem sendo feito em forma de monólogo, apenas a partir da perspectiva pró-legalização. Com elementos da realidade, buscou-se demonstrar que a narrativa defensora da legalização das drogas se fia em cenários não verificados no mundo real, alimentando a modificação das leis com base em duvidosas promessas de uma sociedade melhor.
Como decorrência disso, estimulamos o leitor a participar ativamente deste debate, cujas consequências são muito relevantes para nossa sociedade. Independente daquela que pareça ser a opinião dominante, é preciso não se deixar envolver pela espiral do silêncio, promovendo uma troca de ideias de forma franca e transparente sobre o assunto. Esperamos que o conteúdo dos textos aqui publicados tenha contribuído para isso!
Confira a série de artigos contra a legalização da maconha:
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* Procurador da República. Ex-membro auxiliar do Procurador-Geral da República na Secretaria da Função Penal Originária no Supremo Tribunal Federal (2018). Membro Auxiliar da Procuradoria-Geral da República na Assessoria Jurídica Criminal no Superior Tribunal de Justiça. Coordenador do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado do Ministério Público Federal em Minas Gerais. Pós-Graduado em Controle, Detecção e Repressão a Desvios de Recursos Públicos (UFLA); Pós-Graduado em Direito Público (UNIDERP). Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.
[2] NOELLE-NEUMAN, Elisabeth. A espiral do silêncio: opinião pública: nosso tecido social. Tradução, apresentação e notas de Cristian Derosa. Florianópolis: Estudos Nacionais, 2017, pp. 22-23.
[3] Mais recentemente, especialmente na era das redes sociais, os mecanismos de isolamento têm sido aprimorados, dando azo à denominada “cultura do cancelamento”.