Os especialistas garantem que a reforma psiquiátrica implantada pelo Brasil há cinco anos é o caminho certo para um tratamento mais humanizado dos pacientes com distúrbios mentais. No entanto, a reforma – marcada principalmente pela redução da permanência em hospitais e pelo atendimento em unidades ambulatoriais – começa a apresentar seus efeitos colaterais. A estrutura que substitui os hospitais é permeada por falhas e algumas famílias reclamam que não conseguem dar conta de seus parentes. Existe uma situação ainda mais grave: alguns pacientes se tornaram verdadeiros órfãos do sistema, perambulando pelas ruas sem atendimento nem condições de viver com autonomia.

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L.C.M., de 46 anos, é um desses órfãos. Vaga pelas ruas de Ponta Grossa em condições subumanas. Fica sem medicação, come e dorme onde e quando pode. Ex-paciente do Franco da Rocha, hospital psiquiátrico fechado em 2004, ele não sabe a própria idade e nem em que ano vive. Não sabe onde está. Na ficha dele consta um endereço fixo e uma família. Mas ele não se lembra. L.C.M. foi encontrado pela reportagem sentado próximo a um supermercado, ao lado de um monte de lixo. A mente dele parou em 1978, o que veio daí pra frente ele não registrou.

Apesar da falta de estatísticas, a Federação dos Hospitais do Paraná (Fehospar) afirma que situações como a de L.C.M. são comuns, tanto em Curitiba quanto nas grandes cidades do interior. Além da legislação, a Fehospar afirma que a baixa remuneração do SUS também é um fator que leva ao fechamento de vagas: a federação afirma que houve redução de 2,6 mil vagas no estado. Para a Secretaria de Estado de Saúde foram 1.680. Dados do Ministério da Saúde mostram que das 2,5 mil vagas que ainda restam, 1.369 estão em apenas dez cidades, das 399 do Paraná.

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Família

A volta dos pacientes para as famílias é o caminho adotado pela reforma. Em alguns casos, porém, o retorno é difícil para ambos. O doente não se adapta às regras mais simples da vida, como respeitar horários e andar vestido, por exemplo. Muitos deles passam o dia como andarilhos e somente dormem em casa. E a família nem sempre consegue dar a assistência adequada. Faltam tempo, recursos e habilidade para cuidar do paciente. A solução acaba sendo a procura por internamento. Só no Centro Psiquiátrico Metropolitano, em Curitiba, a espera pelo leito chega a ser de quatro a seis meses, segundo o Ministério Público, e 40% dos pedidos não são atendidos.

Há dois anos a aposentada Rosa Morona tenta colocar seu filho numa instituição psiquiátrica. D.V.M., de 30 anos, voltou para casa em 2004 depois de permanecer por nove anos, entre idas e vindas, no Franco da Rocha. Desde então, as noites de Rosa são de vigília para manter a própria integridade física. Os cuidados com o filho requerem atenção sempre. Entre as atribuições está a de convencer diariamente o rapaz a tomar a medicação, o que ele quase nunca faz. As crises de violência, segundo ela, têm sido mais constantes, ocorrendo em média quatro vezes por semana. Nesses dias, D.V.M. agride a mãe, xinga, sai de casa e retorna somente no outro dia. Quando os ataques acontecem de madrugada, ela procura abrigo na casa de vizinhos. "Dói o coração vê-lo nesse estado e me culpo por não conseguir dar conta dele", afirma.