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| Foto: Marcelo Andrade/Gazeta do Povo

O angolano Wilson “Bantu” Antonio Madeira ziguezagueia sua bengala com segurança pelas ruas de Curitiba. Prestes a completar 30 anos (no próximo dia 2 de setembro), ele passou metade da sua vida no Brasil. Agora, o refugiado se considera pronto para retornar a Angola e realizar o que diz ser seu sonho: montar uma escola voluntária voltada a ajudar outros cegos a conquistarem sua autonomia.

Perrengues

Entre o fim de 2014 e o início de 2015, os cegos angolanos passaram períodos de angústia e de dificuldades financeiras. O governo da Angola cortou a bolsa com a qual eles se mantinham no Brasil e o consulado do país africano começou a fazer pressão para que voltassem. Sem a bolsa e sem poderem trabalhar formalmente – por causa do visto de estudante – a situação se agravou e eles passaram a depender de doações de amigos.

O grupo só conseguiu ficar depois que o governo do Brasil concedeu um visto de permanência – o que lhes permitiu trabalhar formalmente. Grupos universitários de Curitiba – como a Uninter – concederam bolsas de estudos, para que eles pudessem estudar.

O refugiado faz parte de um grupo de deficientes visuais nascidos em Angola e que, em 2001, chegou ao Brasil para estudar, por intermédio de uma organização não-governamental. Foi em Curitiba que Wilson Bantu se tornou independente, após ter aulas de informática, braile, AVD (Atividade da Vida Diária) e musicografia em braile, dentre outros cursos. É esse conhecimento que ele quer levar para o país natal.

“A vida tem o sentido que a gente dá a ela. No meu caso, eu sinto que é hora de fechar esse ciclo e voltar. A Angola está crescendo e eu quero dar meu contributo, sobretudo aos deficientes visuais, que não tiveram a mesma chance que eu”, disse.

Inicialmente, Wilson Bantu pretende se fixar na cidade de Sumbé, capital da província de Kwanza Sul, onde moram sua mãe e seus quatro irmãos. A ideia é “começar por baixo”. A escola vai dar os primeiros passos de forma improvisada, no quintal de casa mesmo. Além dos módulos de cursos, ele pretende dar acesso gratuito a materiais didáticos específicos para cegos, como áudio-livros.

O projeto será dedicado a Francisco Bengell, outro refugiado angolano que integrava o grupo, mas que, em 2013, morreu de câncer. “Essa escola também era um sonho dele [de Bengell], mas, infelizmente, ele não pôde ir até o fim. Então vou fazer essa homenagem, dando o nome dele à escola. Ele vai estar junto, de alguma forma”, apontou Wilson Bantu.

O angolano faz as malas e leva consigo um diploma do ensino médio. Chegou a cursar três cursos superiores – psicologia, pedagogia e processos gerenciais –, mas não chegou a concluir nenhum. Se formaria em processos gerenciais no ano que vem, mas preferiu não esperar. Após frequentar um módulo de coaching, decidiu acelerar a volta. “Eu acabei me decidindo e vou. Eu sou meio brasileiro e meio angolano, então, eu vou voltar, mas para visitar essa minha segunda pátria”, afirmou.

Grupo continua

Marcelo Andrade/Gazeta do Povo

Wilson Bantu era tecladista e uma espécie de líder de um grupo musical, formado com outros angolanos que se radicaram em Curitiba. Em seu ápice, o coral – que ficou conhecido como “Os cantores cegos de angola” ou “Os cegos angolanos” – chegou a participar do quadro “Agora ou Nunca”, do programa “Caldeirão do Huck”, da Rede Globo. Nas últimas semanas, o conjunto se apresentou na inauguração de hotéis no Rio de Janeiro e em Florianópolis. Mesmo com a saída de seu integrante mais velho, o grupo continua.

“Eles [os outros integrantes] estão procurando um novo tecladista, mas vão continuar. A gente é como uma grande família. Vivemos juntos por muitos anos e aprendemos muito. Tenho certeza de que vão continuar bem”, disse o refugiado.

Angolano perdeu a visão em um atentado a granada

Wilson Bantu tinha quatro anos em 1990, época em que a Angola vivia uma acirrada guerra civil. Filho de um militar leal ao governo, o menino brincava com dois primos no quintal de casa, em Sumbé, quando um vizinho se aproximou e ofereceu um brinquedo às crianças. Pouco depois, uma explosão estremeceu o bairro. Wilson só acordou no hospital, já sem a visão.

“O ‘brinquedo’ era uma granada. Foi o que aqui no Brasil se chama de atentado. Meus dois primos, uma senhora e uma menina morreram na explosão. Foi algo que afetou muito a vida da minha família”, contou. O vizinho era um integrante da União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA), grupo considerado “rebelde” ao governo da ocasião.

Talvez por ainda ser muito jovem, Wilson Bantu diz ter sentido pouco a tragédia. Do tempo em que podia enxergar, consegue lembrar-se apenas da casa em que morava (em que “havia um quintal bem grande”), do rosto do pai e do rosto da mãe. Não consegue se recordar de cores.

Sempre que chega a um lugar pela primeira vez, pede a alguém que o descreva, para tentar imaginar e se situar. Usa de outras percepções – cheiros, tom da voz e sensações – para “ler” o mundo externo. Além da confiança e da memória invejável, Wilson Bantu carrega consigo uma forte carga de bom humor.

Quando perguntado sobre como imagina o repórter e o fotógrafo que o entrevistavam, respondeu de bate-pronto: “Imagino-os feios pra caramba”, disse, rindo alto.

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