A última nota técnica do Ministério da Saúde sobre aborto, que somente reitera a legislação brasileira relacionada ao tema e orienta profissionais de saúde sobre como agir nas situações em que a prática não é punida, continua sendo alvo do movimento abortista. Nos últimos dias, os ativistas levaram a questão ao Supremo Tribunal Federal (STF), que, ao menos neste primeiro momento, indicou ter dado crédito à tese dos militantes.
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Depois que entidades pró-aborto acionaram a Corte para suspender o documento do Ministério da Saúde, o ministro Edson Fachin, relator do caso – a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 989 –, sugeriu concordar com a petição no despacho em que intima o Executivo a se explicar sobre a nota técnica. Para o magistrado, a situação descrita pelas associações responsáveis pela ação “é bastante grave e parece apontar para um padrão de violação sistemática do direito das mulheres”.
“Se nem mesmo as ações que são autorizadas por lei contam com o apoio e acolhimento por parte do Estado, é difícil imaginar que a longa história de desigualdade entre homens e mulheres possa um dia ser mitigada”, afirmou o magistrado, em aparente referência ao trecho da nota técnica que rechaça a existência de “aborto legal” no Brasil.
Na verdade, a nota técnica – intitulada “Atenção técnica para prevenção, avaliação e conduta nos casos de abortamento” – não oferece nenhuma orientação contrária às situações do aborto para as quais não há punição. Um dos principais objetivos do documento, inclusive, é oferecer orientação para os profissionais de saúde que precisem lidar com pacientes cuja motivação para o procedimento seja gravidez em caso de estupro, risco à vida da gestante ou anencefalia do feto. A alegação das proponentes da ação de que o documento estaria se contrapondo ao aborto nesses três casos, portanto, não se sustenta.
O advogado Miguel Vidigal, especialista em Direito Civil e diretor da União dos Juristas Católicos de São Paulo (Ujucasp), esclarece que o “aborto legal” realmente não existe no Brasil. Segundo ele, o Código Penal somente “dispõe que determinados crimes são isentos de punibilidade em algumas ocasiões”, mas o aborto continua sendo um crime.
“É verdade que se tem a impressão e muitos defendem que a não punibilidade acaba por tornar o direito ao aborto algo legal. Não é bem assim. Pelo simples fato de o Brasil ter assinado o Pacto de São José da Costa Rica, o país já não poderia tornar legal nenhum tipo de aborto”, afirma. O especialista recorda ainda o artigo segundo do Código Civil, que determina que “a personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”.
Além disso, para Vidigal, é possível se apoiar no próprio Código Penal para refutar a falácia do “aborto legal”. O advogado faz um paralelo com o artigo 181, que isenta de pena quem se apropria de bens de seus pais ou filhos. “Ninguém chama esse artigo de ‘furto legal’ só por não haver previsão de punibilidade nesse caso. Do mesmo modo, também não deve ser chamado de ‘aborto legal’ a não punibilidade prevista no artigo 128" (que trata das situações em que a prática do abortos não geram punição), explica.
"A gente só copiou o PT", diz secretário responsável pela nota técnica
Na ADPF 989 – que foi protocolada pela Sociedade Brasileira de Bioética (SBB), pela Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), pelo Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes) e pela Rede Unida –, as partes peticionantes dizem que a nota técnica “dissemina diversas desinformações, tal como o fato de que há um marco de idade gestacional em que é possível realizar o aborto legal, que seria de 22 semanas”.
Raphael Câmara, elaborador do documento sobre aborto e secretário de Atenção Básica do Ministério da Saúde, ressalta que o marco de 22 semanas foi estabelecido com base em um manual da pasta do ano de 2012, elaborado pela gestão petista durante o período de Dilma Rousseff na Presidência da República.
“Deveriam criticar o PT, porque quem fez isso foi o PT, em 2012. A gente só copiou ipsis litteris o que o PT fez. É exatamente igual ao manual de 2012 sobre violência sexual do Ministério da Saúde”, diz Câmara.
O manual a que o secretário se refere, intitulado “Prevenção e tratamento dos agravos resultantes da violência sexual contra mulheres e adolescentes”, afirma que “não há indicação para interrupção da gravidez após 22 semanas de idade gestacional”. Além disso, propõe que haja um cuidado especial com abortos feitos entre 20 e 22 semanas de gestação.
“Embora o conceito de abortamento preconizado pela Organização Mundial da Saúde estabeleça limite de 22 semanas de idade gestacional, casos que ingressem para atendimento entre 20 e 22 semanas devem ser rigorosamente avaliados, considerando-se a possibilidade de erro de estimativa da idade gestacional. Portanto, recomenda-se limitar o ingresso para atendimento ao aborto previsto em lei com 20 semanas de idade gestacional ou, quando disponível, com predição de peso fetal menor que 500 gramas”, diz o documento da gestão petista.
Questionado sobre o despacho de Fachin que sugere um posicionamento favorável às associações, Câmara pondera que o ministro ainda não tomou nenhuma decisão, mas somente reproduziu a versão das proponentes da ação. Esse ponto de vista, segundo o secretário, deverá mudar assim que o Ministério da Saúde prestar seus esclarecimentos.
“É óbvio que o quadro relatado por associações pró-aborto vai ter um viés completamente contrário a nós. O que eu acredito é que agora o ministro vá olhar para a nossa defesa, que no prazo regulamentar a gente vai entregar, e que ele vá mudar a ideia sobre o quadro relatado”, observa Câmara.
Por que a 22ª semana é estabelecida como limite para o aborto em notas técnicas?
O principal ataque das associações pró-aborto contra a nota do Ministério da Saúde diz respeito às 22 semanas como limite da idade gestacional para que se realize o aborto.
As proponentes da ADPF 989 sugerem ao STF “a declaração de inconstitucionalidade de qualquer ato administrativo ou decisão judicial que restrinja às gestações de até 22 semanas a possibilidade de realização de aborto” nas hipóteses em que a prática é descriminalizada.
Lenise Garcia, professora aposentada do Instituto de Biologia da Universidade de Brasília (UnB) e presidente do Movimento Nacional da Cidadania pela Vida - Brasil sem Aborto, explica que, tecnicamente, nem se chama de aborto matar um feto depois das primeiras 22 semanas. Depois desse período, o bebê tirado do útero tem condições de sobreviver. Tecnicamente, portanto, o que se faz é um parto prematuro. Para eliminar a vida do bebê, nesse caso, é necessário matá-lo antes de removê-lo do útero.
“É uma questão absolutamente técnica, vamos dizer assim, com relação ao desenvolvimento fetal. O que é um aborto? Se a gente pensa no aborto espontâneo, é a expulsão da criança em formação do útero da mãe no momento em que ela ainda não tem condições de sobreviver fora do útero. Depois disso, eu não tenho aborto, eu tenho parto prematuro. A criança nasce já com condições de sobrevivência”, diz.
A obrigação do hospital, a partir das 22 semanas, é levar para uma UTI, explica Lenise. “E, muitas vezes, essa criança sobrevive. Cada vez mais. Na verdade, a gente já está tendo sobrevivência com semanas anteriores. Com 20 semanas, a gente já tem uma sobrevivência razoável. Então, na verdade, eu só posso considerar aborto – e isso é a definição técnica de aborto – até a 22.ª semana. Depois disso, eu tenho parto prematuro, se eu estou pensando no aborto espontâneo”, afirma.
Após as 22 semanas, segundo a especialista, “não há mais como provocar a expulsão da criança com a intenção de matá-la, exatamente porque ela nasce viva”. “Já não se trata de um aborto. É necessário matar o feto intraútero para depois tirar. Conceitualmente, já se trata de um outro processo. Por isso, consta na definição do que seja um aborto a questão da 22.ª semana em muitos documentos”.
Como é o parto para matar um feto a partir da 22ª semana de gestação
Em um vídeo publicado pela ONG pró-vida Live Action, a médica obstetra americana Patti Giebink, que realizava abortos e se arrependeu disso, dá detalhes de como é o procedimento de aborto quando o feto tem a partir de 22 semanas de gestação. O vídeo original pode ser encontrado em abortionprocedures.com ou neste link do Youtube.
Segundo ela, tudo começa com um medicamento que causa a degeneração do revestimento do útero, privando o feto de nutrientes vitais e oxigênio. Depois, a criança recebe a injeção de uma droga que é usada para tratar problemas cardíacos, mas que em doses mais altas causa a parada cardíaca fetal.
“Uma agulha longa é inserida através do abdômen ou da vagina da mulher”, diz Patti. “Para que a droga seja mais eficaz, o médico também pode injetar a digoxina diretamente no feto, visando o corpo, coração, ou veia umbilical. O cloreto de potássio também pode ser usado para induzir a morte fetal mais imediatamente”, acrescenta.
O feto geralmente morre dentro de 24 horas após a injeção da droga. A morte é normalmente confirmada por ultrassom antes do início do parto.
No segundo dia do procedimento, segundo a médica, a mulher recebe misoprostol por via oral ou vaginal, para que entre em trabalho de parto. Quando o feto e a placenta são expelidos, e o sangramento está sob controle, o procedimento é considerado finalizado.
Giebink afirma que as chances de complicações nesse procedimento aumentam à medida que o feto cresce. Entre essas complicações estão laceração cervical, infecção, hemorragia, ruptura uterina e até a morte da mãe. Para gestações futuras, também há maior risco de perda do filho ou de parto prematuro por causa de potenciais traumas, incluindo lesão no colo do útero.
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