O Conselho Federal de Medicina (CFM) publicou, anteontem, uma resolução que define novas regras para a reprodução assistida no Brasil. O texto não tem caráter de lei, mas deverá direcionar a atuação de médicos de todo o país. A normativa levantou polêmica por tratar de temas ainda sem legislação específica, como o limite de idade para fertilização in vitro e o descarte de embriões congelados.
De acordo com a resolução do CFM, mulheres com mais de 50 anos não poderão se submeter a técnicas de fertilização in vitro. A entidade defende que, após essa idade, aumentam os riscos às gestantes e bebês, com maior incidência de casos de hipertensão, diabete e partos prematuros.
A posição do CFM é compartilhada por Lenise Garcia, do Instituto de Biologia da Universidade de Brasília (UnB) e presidente da organização Brasil Sem Aborto. A professora, porém, crítica a entidade por, segundo ela, estar legislando em detrimento do Congresso Nacional.
"Acho 50 [anos] uma idade muito alta. Como não dá para tratar os casos separadamente, você precisa regulamentar. Mas o problema é que o Brasil é dos únicos países no mundo a fazer reprodução assistida sem legislação específica para o tema."
Já Lygia da Veiga Pereira, primeira cientista no Brasil a extrair e multiplicar células-tronco embrionárias, vê a restrição da idade com cautela. "Esse ponto tira um pouco do livre arbítrio das pessoas. Fosse apenas uma recomendação, seria menos pesado", diz a geneticista do Instituto de Biocência da Universidade de São Paulo (USP).
Embriões congelados
Outro ponto controverso é o descarte de embriões congelados, proibido pela Lei de Biossegurança. De acordo com a legislação, apenas embriões congelados há pelo menos três anos podem ser doados para pesquisa. Além disso, a lei limitou essa doação aos embriões gerados até a data da sua promulgação, em 2005.
Enquanto Lenise é contra o congelamento dos embriões, por considerar isso um desrespeito à vida, Lygia elogia o texto do CFM que prevê o descarte ou doação para pesquisa de embriões congelados há cinco anos. "Os casais, muitas vezes, desistem do processo e isso cria uma situação na qual o material fica esquecido", justifica.
Segundo o CFM, para manter os embriões congelados os casais pagam uma taxa inicial que varia entre R$ 600 e R$ 1,2 mil, além de uma mensalidade. No Centro Paranaense de Fertilidade, por exemplo, o custo é de R$ 100 mensais. De acordo com dados da Anvisa, entre 2008 e 2010 foram congelados 34.851 embriões no país. Em 2011, foram 26.283 quantidade duas vezes maior que a média dos três anos anteriores.
CNBB teme "coisificação" do ser humano
Folhapress
A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) alertou para a possível "coisificação do ser humano" ao comentar o descarte de embriões excedentes. "O legítimo desejo de se ter um filho não pode se transformar no direito absoluto de ter este filho, ao ponto de se autorizar o emprego da produção de embriões para se escolher apenas alguns dentre eles. Nisso, o risco de se coisificar o ser humano aparece evidente", diz texto assinado por dom Leonardo Steiner, secretário-geral da CNBB.
"Uma segunda observação", continua, "diz respeito ao estatuto do embrião, considerado um ser humano somente no momento em que se apresenta sem defeitos e quando é escolhido para se desenvolver". Dom Leonardo defende a aprovação de uma lei sobre a reprodução assistida regulada apenas por resoluções do CFM, que têm força de lei apenas para o médico.
RepercussãoJurista vê conflito em resolução; especialista prevê mercantilização
Além de tratar de dilemas morais da sociedade, a resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) cria um conflito com a Lei de Biossegurança. Essa é a opinião de Paulo Leão, Procurador Geral do Rio de Janeiro, que vê com preocupação a nova normativa do CFM.
"A Lei de Biossegurança estabelece regras sobre a doação e existem textos aprovados pelo Senado, como o projeto de lei 1.184, de 2003, que criminalizam esse descarte arbitrário de embriões. O CFM está tomando posições que transbordam as suas competências", crítica Leão.
Além disso, segundo ele, o médico que descartar um embrião estará sujeito a responder criminalmente, mesmo que respaldado pelo resolução. "Mas isso vai depender do entendimento do Ministério Público", pondera.
Outro temor de especialistas ligados ao tema é a possibilidade de mercantilização da reprodução assistida. "É surpreendente que tenham autorizado a pseudo-doação de óvulos em troca de tratamento. A medida gera um negócio e cria um problema ético e legal, já que está proibida pela Lei do Transplante", diz Lenise Garcia, do Instituto de Biologia da UnB.
Apesar de reconhecer esse risco, a geneticista Lygia da Veiga Pereira não o coloca na conta da nova resolução. "O texto é claro: não pode haver comércio. Esse texto é um avanço por flexibilizar e criar mais alternativas para a reprodução", defende.
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