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O projeto de lei que regula a inteligência artificial (IA) no Brasil deve ser votado nesta terça-feira (9) pela comissão temporária sobre IA (CTIA) do Senado. A proposta (PL 2.338/2023) tem sido criticada por alguns parlamentares pela pressa desnecessária na tramitação, além dos riscos para a liberdade de expressão.
Embora os maiores críticos sejam opositores ao governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o substitutivo que deve ser analisado é de autoria de um senador do principal partido de oposição, o PL - trata-se do senador Eduardo Gomes, representante do Tocantins. Curiosamente, o texto de Gomes insere mudanças que tornam a proposta ainda mais controversa que a original, protocolada pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Pacheco tem como uma de suas prioridades de fim de mandato a regulamentação da IA.
Parlamentares da oposição têm criticado em especial os artigos 14 e 15 do substitutivo. O artigo 14 inclui a difusão e até mesmo a recomendação de conteúdo "em grande escala e significativamente automatizada" na categoria de "alto risco" do uso de IA, o que poderia abrir brecha para que as redes sociais entrassem no rol de sistemas de "alto risco".
Já o artigo 15 define que caberia a um órgão controlado pela Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) – uma autarquia do Ministério da Justiça – o juízo sobre quais seriam os sistemas de "alto risco". Também no artigo 15, prevê-se uma série de critérios para a ANPD fazer esse juízo, entre os quais o "risco à integridade da informação, o processo democrático e ao pluralismo político".
Essa última definição, presente no inciso XI do artigo 15, tem feito com que parlamentares acusem no PL 2.338 uma tentativa de embutir sorrateiramente o espírito do PL 2.630/2020 – o chamado "PL da Censura" ou "PL das Fake News".
"Os sistemas de alto risco ficam sob a apuração pelo Executivo, ou seja, pelo Lula, que pode iniciar procedimentos administrativos, aplicar multas milionárias e - pasmem - redigir normas infralegais para disciplinar as redes. Sabe o que isso quer dizer? Não vai nem precisar de PL das Fake News. Eles ganham no tapetão, sem necessidade de passar pelo Congresso", afirmou o deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) na rede X. "Precisamos mais uma vez pressionar todos os senadores para que a liberdade de expressão não seja sufocada no Brasil", complementou.
Para André Marsiglia, advogado especialista em liberdade de expressão, a preocupação é legítima. "Entendo que o PL traz de volta a essência do PL 2630: regular de forma subjetiva conteúdos considerados como desinformação. A censura pode ser ainda pior do que no PL das Fake News, pois não aconteceria com a exclusão de conteúdos pelas plataformas, mas com o gerenciamento do que as plataformas distribuem ao usuário", diz.
Pressa em regulamentar pode engessar e encarecer mercado da IA no Brasil
Para especialistas em inteligência artificial, a pressa em criar uma regulamentação no Brasil pode criar vários problemas para o desenvolvimento do mercado relacionado às IAs no país.
Entre outras coisas, as propostas presentes no PL 2.338 poderiam encarecer o uso de IA no Brasil e, além disso, limitar inovações, ao restringir a disponibilidade de dados para treinar os sistemas de IA. Isso poderia condenar o Brasil ao atraso na área.
O advogado Rodrigo Ferreira, pesquisador em inteligência artificial, considera que o debate sobre o tema ainda é pouco maduro, e que não houve discussões suficientes para pensar em regulamentação.
"Muitos debates aconteceram na perspectiva quantitativa, mas me parece que vários pontos críticos ainda carecem de debates mais focados, há vários problemas de ordem qualitativa, de baixa maturidade de avaliação dos impactos de pontos específicos", comenta.
Um dos problemas, na visão dele, é que a própria ideia de criar uma regulamentação para IA é questionável e deveria ser debatida, na medida em que há uma grande diversidade de fenômenos que cabem no guarda-chuva da inteligência artificial, mas nem todos eles podem ser tratados da mesma forma do ponto de vista da legislação.
Ele também critica a ideia de remuneração por direitos autorais, prevista no projeto. "Quem usa grandes bases para treinamentos de modelos hoje não teria como realisticamente cumprir esses itens. E modelos de linguagem, por exemplo, demandam grandes bases para poderem ser criados", observa.