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Rio de Janeiro

Relatório do CNJ quer mais restrições a operações policiais e abertura de dados a ongs

A restrição de operações policiais nas favelas do Rio durante a pandemia acabou dando espaço para o fortalecimento da ação do narcotráfico (Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil)

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Há poucas semanas, o Grupo de Trabalho Polícia Cidadã apresentou um relatório de mais de 100 páginas sobre a letalidade policial no Rio de Janeiro. Não é um estudo qualquer: o grupo de trabalho foi criado pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça); o órgão, por sua vez, atendeu a uma determinação do ministro Edson Fachin, do STF (Supremo Tribunal Federal), na ADPF 635, conhecida como “ADPF das Favelas”, que restringiu a realização de operações policiais nas favelas do Rio durante a pandemia e acabou dando espaço para o fortalecimento da ação do narcotráfico nos morros da cidade, inclusive com a intensificação de treinamento tático de traficantes. Fachin estabeleceu o prazo de um ano para que o grupo analisasse o comportamento dos policiais em operações com mortes de civis e sugerisse ações para combatê-las.

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O relatório agora está nas mãos da presidente do STF (e do CNJ), Rosa Weber. Se as conclusões apresentadas pela comissão forem levadas adiante, a polícia fluminense terá de fazer mudanças bruscas em um curto espaço de tempo.

O grupo teve 35 membros, incluindo juízes, promotores, professores universitários e representantes de ongs. A lista inclui seis policiais (três militares, dois civis e um federal). Mais numerosos são os representantes de organizações não-governamentais: eram oito. Seis delas são ou já foram financiadas pela Open Society, fundação do bilionário George Soros e que defende o desencarceramento e a legalização das drogas: o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a Comissão Arns, o Instituto Sou da Paz, a Anistia Internacional Brasil, o Coletivo Papo Reto e o Grupo de Estudos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense. O grupo foi liderado pelo promotor de Justiça João Paulo Schoucair, que é conselheiro do CNJ.

O documento é agressivo em suas críticas à polícia fluminense. De acordo com o relatório, que vai além de questões técnicas e discorre sobre temas ideológicos, “as operações que historicamente foram realizadas no Rio de Janeiro se caracterizam pelo uso indiscriminado da força contra a população negra, pobre e moradora de favelas, propiciando um verdadeiro extermínio da população negra que é desproporcionalmente afetada por estas ações estatais”.

A principal medida apresentada no documento é a criação de uma “comissão independente de supervisão da atividade policial”, vinculada ao CNJ, “com maioria de membros da sociedade civil, especialmente organizações de direitos humanos, movimentos de favelas e de familiares de vítimas e especialistas”. O objetivo desse novo órgão seria monitorar, acompanhar e supervisionar a implementação de medidas de redução da letalidade policial — exatamente como já fazem órgãos como o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro.

O documento pede, dentre outras coisas, o compartilhamento total de informações sobre os mortos em confronto com a polícia, incluindo as circunstâncias da morte e a “descrição detalhada dos esforços assumidos pelos agentes policiais para mitigar o emprego do uso da força.” O relatório pede até mesmo acesso dessa nova comissão ao banco de dados da Polícia Civil, que hoje é restrito apenas à própria Polícia e ao Ministério Público. A medida seria problemática porque, em muitos casos, grupos de vítimas das ações da polícia, que fariam parte da “comissão independente”, têm laços estreitos com as organizações criminosas que atuam nas favelas do Rio de Janeiro.

O documento também estabelece como meta a redução de 70% da letalidade policial em um ano, a adoção de critérios para a instalação de câmeras nos uniformes dos policiais (que podem ser prejudiciais à segurança pública) e o “efetivo controle de armas e munições” pelas forças policiais do Rio. Além disso, o grupo de trabalho pede combate ao “racismo estrutural”, com a “democratização da formulação da política interna antirracista” e a “implementação de ações afirmativas nos quadros de alto escalão” dos cargos de alto escalão da segurança pública.

Para o grupo de trabalho, os policiais deveriam atirar apenas quando houver risco iminente à vida. A “a força letal, tem sido empregada indiscriminadamente nas operações policiais em áreas sensíveis não para proteger a vida, mas para recuperar objetos roubados, para perseguir criminosos e suspeitos, efetuar prisões, retaliar os grupos armados, reprimir a venda de drogas e cumprir mandados judiciais”, diz o texto, em tom de lamento.

Realidade paralela 

Embora o relatório apresente algumas propostas razoáveis, ele está fundamentado em uma premissa controversa: o documento descarta a ideia de que a letalidade elevada da polícia do Rio de Janeiro se deve às condições peculiares do estado, que tem amplos territórios dominados por criminosos fortemente armados. “As autoridades fluminenses reiteram há décadas, que a letalidade policial ocorre como efeito do contexto particularmente violento do Rio de Janeiro, que exige uso da força letal pelas forças policiais com muito alta frequência, a fim de controlar a criminalidade. Tal afirmação carece de fundamentação em dados e evidências”, diz o relatório.

O coronel Mário Sérgio de Brito Duarte, ex-comandante do Bope, afirma que a afirmação do relatório nega a realidade. “O Rio de Janeiro pode desfilar conceitos que não se aplicam a nenhum Estado brasileiro. São confrontos que duram horas, às vezes dias”, afirma ele.

Para Duarte, o debate sobre a letalidade policial tem sido fundamentado em razões ideológicas: a chamada Crimonologia Radical, que enxerga uma violência estrutural da qual a polícia é um braço. “Letalidade policial é uma expressão incorporada por um círculo de acadêmicos de esquerda nos seus estudos sobre segurança pública em sociologia com o objetivo disparar a acusação sub-reptícia contra policiais de que eles sistematicamente realizam execuções extrajudiciais de pessoas”, resume.

O coronel afirma que os estudos sobre a letalidade policial ignoram que, na maioria dos casos, as “vítimas” eram criminosos armados. “A chamada letalidade policial só acontece porque há reação do criminoso. Claro, exceções precisam ser investigadas. “O Ministério Público dos Estados tem se preocupado bastante em exercer seu papel de controle das polícias”, diz ele, que prossegue: “Mas o que estamos enfrentando nos últimos 35 anos no Brasil, a partir do Rio de Janeiro, tem uma gravidade ainda não bem compreendida pelas autoridades, mesmo as que enxergam a realidade: o Brasil está experimentando um lento, mas progressivo, processo de comprometimento de sua soberania interna em função do número cada vez maior dos chamados black spots, ou territórios sem real domínio estatal.”

O promotor de Justiça Diego Pessi concorda: “A letalidade policial, a exemplo do imenso número de baixas sofridas nas fileiras policiais, é, em grande medida, fruto do cenário de insurgência criminal existente no Brasil”, afirma. Ele acrescenta que o número de policiais assassinados é elevado. Em 2022, 142 policiais da ativa foram assassinados por criminosos no Brasil. “Qualquer comparação sobre a letalidade policial deve levar em conta a realidade enfrentada pelas forças e serviços de segurança”, diz Pessi.

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