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Mesmo se corresponderem à realidade, dados mostram uma tendência de queda nos abortos e colocam em xeque alguns dos argumentos utilizados por defensores da legalização da prática.
Mesmo se corresponderem à realidade, dados mostram uma tendência de queda nos abortos e colocam em xeque alguns dos argumentos utilizados por defensores da legalização da prática.| Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

A ONG pró-aborto Instituto Anis acaba de divulgar uma pesquisa segundo a qual 10% das mulheres de 18 a 39 anos já fizeram um aborto no Brasil. Mas os dados são questionáveis — e, mesmo se corresponderem à realidade, eles mostram uma tendência de queda e colocam em xeque alguns dos argumentos utilizados por defensores da legalização do aborto.

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O estudo, intitulado PNA (Pesquisa Nacional de Aborto), é assinado pelos pesquisadores Debora Diniz, da Universidade de Brasília, Alberto Madeiro, da Universidade Estadual do Piauí, e Marcelo Medeiros, que é professor visitante na Universidade de Columbia, nos Estados Unidos. O levantamento ouviu 2.000 mulheres entre 18 e 39 anos, e incluiu apenas as áreas urbanas — excluindo as de 17% das mulheres dos 18 a 39 anos que vivem em áreas rurais.

Segundo uma projeção feita pelos autores, 13% das mulheres já fizeram um aborto ao atingir 40 anos.

Não existem informações oficiais sobre abortos realizados ilegalmente no Brasil. Os dados do SUS (Sistema Público de Saúde) sobre atendimentos pós-aborto incluem os casos de aborto espontâneo, que é relativamente comum. Um estudo feito em 2020 apontou que “não é possível identificar, com base no procedimento realizado, se o aborto foi espontâneo ou induzido.” Por isso, todos os estudos sobre o tema se baseiam em estimativas.

No caso da PNA, o método utilizado pode causar confusão nas participantes. Primeiro, os pesquisadores aplicaram um questionário para identificar o perfil sociodemográfico das participantes (idade, religião e etnia). Depois, entregaram um formulário de papel para que a própria participante leia, responda e deposite em uma urna. A ideia é evitar o constrangimento das participantes, que poderiam então esconder o fato de terem feito um aborto. Ao mesmo tempo, a adoção do processo pode causar ainda mais confusão, já que muitas mulheres podem confundir o aborto espontâneo com o causado. “Não fica claro que a pergunta distingue claramente o aborto provocado do aborto espontâneo; eu tenho a impressão de que não”, diz Lenise Garcia, professora de Biologia da Universidade de Brasília e coordenadora nacional do Movimento Brasil Sem Aborto. Isso talvez explique por que, segundo os próprios autores da PNA, as mulheres menos escolarizadas apresentam um nível maior de respostas “sim” à pergunta sobre o histórico de abortos.

A PNS (Pesquisa Nacional de Saúde), feita pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) em 2013, adotou o método tradicional de entrevistas e encontrou dados muito diferentes: somente 2,1% das mulheres entre 18 e 49 anos haviam feito abortos.

Financiamento estrangeiro da causa pró-aborto 

Outro problema do levantamento do Instituto Anis é o conflito de interesses. Além de pesquisadora, Debora Diniz é ativista pró-aborto e fundadora do Instituto Anis, que recebe recursos de organizações estrangeiras interessadas em promover o aborto no Brasil.

Desde 2006, o Anis recebeu 940 mil dólares da Fundação Ford. Da Open Society, foram 435 mil dólares desde 2016 (os números anteriores não estão disponíveis).

Apesar dos resultados questionáveis e do conflito de interesses de Debora Diniz, a PNA acaba sendo utilizada como uma fonte legítima de dados no debate sobre o tema. Para a professora Lenise Garcia, não deveria: “Pesquisa científica deveria ser algo isento. Eu não considero conveniente que a mesma pessoa seja pesquisadora e ativista de uma causa”, diz.

Premissas erradas 

O levantamento do Instituto Anis é usado para sustentar o argumento de que o número de abortos no Brasil é alto e a legalização precisa ser feita para atender essa população, já que o aborto será feito de qualquer forma. Para Lenise Garcia, esta é uma correlação falaciosa. “Pesquisas como a PNA não fundamentam uma pesquisa de liberação do aborto. Dizer que acontece muito ou pouco não faz com que o crime deixe de ser crime”, diz ela.

Mas, mesmo que os números estejam corretos, o uso da pesquisa para sustentar o argumento pró-aborto não se sustenta nos dados. Primeiro, porque de acordo com os próprios dados de grupos pró-aborto, o número tem caído no Brasil mesmo sem qualquer mudança na lei. A própria PNA mostra isto: o número de participantes que afirma ter feito um aborto caiu de 15% em 2010 para 13% em 2016 para 10% em 2021. Ou seja: se a ideia é de que o alto número de abortos justifica a legalização, este argumento está cada vez mais fraco.

Além disso, dados de outros países indicam que a proibição reduz, sim, o número de abortos — ou seja: a tese de que os abortos vão acontecer de qualquer maneira é falsa.

Em um artigo publicado no Journal of Human Resources em 2007, três pesquisadores — entre eles um professor do MIT — demonstraram que a legalização do aborto nos Estados Unidos provocou uma queda no número de partos. Como a prática deixou de ser ilegal em momentos diferentes de acordo com o estado, foi possível comparar a taxa de fecundidade antes e depois. A conclusão é de que a legalização do aborto não apenas adiou a maternidade, mas causou um aumento no número de mulheres que não deram à luz. Isso significa que a proibição impede, sim, o número de abortos.

Em outro levantamento, publicado pelo Journal of Law and Economics em 2004, de pesquisadores do Wellesley College e do Darmouth College, concluiu que nos Estados Unidos e no Leste Europeu, a legalização do aborto sozinha causou um declínio de 10% na taxa de fertilidade. Os autores rejeitam explicitamente a tese de que a proibição não reduz o número de abortos. O motivo é simples: as pessoas respondem a incentivos. Tornar o aborto mais acessível reduz os custos (incluindo custos não-financeiros) de fazer um aborto. Essa é uma das premissas fundamentais da Economia. "Essas evidências são consistentes com modelos econômicos nos quais o custo do aborto influencia a decisão de engravidar, bem como a decisão de abortar", dizem os autores.

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