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Por quinze anos, o supervisor Anderson de Oliveira Santos, 25 anos, teve um companheiro inseparável. Na escola, nos treinos de judô, nas festas, para onde quer que ele fosse o remedinho para o nariz trancado estava junto. "Às vezes o remédio não durava nem uma semana. Para não ficar sem, quando um estava acabando, eu já comprava outro. Usava várias vezes por dia e, de noite, ainda dormia com ele do lado", conta. Com o tempo, o medicamento que Santos usava passou a não fazer mais efeito e ele teve de trocar por um mais forte. "Já aconteceu de eu perder o remédio e fazer meu pai levantar no meio da noite para comprar outro. Além disso, era só não ter ele por perto que o nariz trancava", lembra.

O que aconteceu com Santos, na verdade, não é raridade. Muitos remédios considerados "inofensivos" podem se transformar em vício e, se forem usados por um período prolongado, podem ainda causar uma série de complicações ao organismo. Na maioria das vezes, o fácil acesso é apontado como o responsável pela automedicação. Segundo o presidente do Conselho Regional de Farmácia (CRF-PR), Dennis Bertolini, desde 1998 há uma resolução que proíbe o livre acesso a medicamentos nas farmácias. "O objetivo é minimizar os problemas recorrentes da automedicação ao não deixar os remédios expostos do lado de fora do balcão. Mas nem todos os estabelecimentos cumprem a regra", afirma.

Os medicamentos classificados como isentos de prescrição – aqueles que podem ser comprados sem receita – representam cerca de 20% do mercado farmacêutico. Um levantamento feito pela Associação Brasileira da Indústria de Medicamentos Isentos de Prescrição apontou os analgésicos como os mais vendidos da categoria. Na lista dos 20 mais procurados estão ainda laxantes, antiácidos, antitérmicos, vitaminas e descongestionantes nasais, como os usados por Santos.

Assim como o supervisor, a maioria das pessoas que usa esse tipo de medicamento tem rinite alérgica. Os especialistas, entretanto, condenam a prática. "É preciso que o paciente passe por um diagnóstico que identifique a causa do nariz trancado para então fazer um tratamento", afirma o chefe do serviço de otorrinolaringologia do Hospital de Clínicas (HC) da Universidade Federal do Paraná, Marcos Mocellin. Segundo o médico, o uso por mais de cinco dias já começa a causar danos na mucosa nasal. "Os medicamentos têm um efeito vasoconstritor que proporciona uma abertura nas narinas que não é natural. Podem causar dependência e problemas cardiovasculares", alerta.

Para o neurocirurgião Arnaldo Dias dos Reis, do HC, na maioria das vezes em que um paciente resolve usar uma medicação por contra própria, ele está procurando alívio para a dor. "A dor não é uma doença e sim um sintoma que existe para mostrar que algo está errado. Ela ajuda a identificar de qual disfunção orgânica a pessoa está sofrendo", explica. Segundo o médico, o problema do uso abusivo de analgésicos é que, além de poderem mascarar uma doença, eles ainda podem ocasionar o surgimento de um novo problema. "O uso dos analgésicos pode retardar o diagnóstico de um problema que inicialmente poderia ser simples, mas que acaba se transformando em algo mais grave pelo tempo que leva para ser diagnosticado", afirma. O médico explica que um paciente que sofre, por exemplo, de cefaléia tensional e tome analgésicos constantemente pode acabar desenvolvendo a chamada cefaléia crônica diária. "O organismo se acostuma com o estímulo da medicação e interpreta o alívio da dor como sendo algo bom. Com isso, os períodos entre as crises tendem a ser cada vez menores e a duração deles, maior", esclarece.

Muitas pessoas sentem vergonha ou não admitem que são viciadas na medicação. O administrador Paulo (nome fictício) teve a primeira crise de enxaqueca quando ainda era adolescente e passou 25 anos tomando analgésicos descontroladamente. "As pessoas já falavam que eu comia remédio. Às vezes tomava quatro de uma vez. Um dia as crises pararam, mas eu continuei com os remédios. Só de imaginar que eu podia ter uma dor de cabeça eu já tomava um", lembra. O vício só parou depois que ele teve de passar por uma cirurgia para o tratamento de um problema no coração. "A médica falou que eu precisava parar, senão poderia ter problemas na coagulação", conta.

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