Documentos obtidos pela reportagem da Gazeta do Povo reforçam a hipotése de que o investigador da Polícia Civil do Paraná Délcio Augusto Razera, preso acusado de fazer interceptações telefônicas ilegais, tenha ligações com o governador. O Diário Oficial de 7 de outubro de 2005 apresenta uma deliberação, de número 854, na qual o governador Roberto Requião solicitou, via ofício número 1.620/05, da chefia da Casa Civil, o envio de "todos os procedimentos administrativos, bem como sindicâncias, em que figure como parte o investigador de polícia Délcio Augusto Razera", para análise.

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Na seqüência, diz o documento, "com decisão do excelentíssimo senhor governador do estado, (decidiu-se) pela absolvição do servidor em todos os processos relacionados e o conseqüente arquivamento dos autos". A deliberação é assinada pelo então presidente do Conselho da Polícia Civil e delegado-geral, Jorge Azôr Pinto, com a data de 27 de setembro de 2005.

"Essa deliberação está assinada por mim como presidente do Conselho da Polícia Civil (e não como delegado)", afirmou o delegado-geral da Polícia Civil, que disse não lembrar quem pediu a documentação. O governo emitiu nota oficial ontem afirmando que os quatro procedimentos abertos contra o investigador foram analisados pela Coordenadoria Técnico-Jurídica da Casa Civil, que definiu pelo arquivamento dos procedimentos por falta de elementos que pudessem subsidiar a punição do investigador. No entanto, não especifica quais são as investigações que envolveram Razera na época.

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Segundo Cláudio Franco Félix, membro da Promotoria de Investigações Criminais (PIC), responsável pelas prisões, o governador tem a autonomia para absolver ou demitir o funcionário. "O julgamento do Conselho dá um indicativo. Quem aplica a demissão é o governador", explicou, lembrando, no entanto, que não conhece as denúncias que levaram a essa decisão. Já o ex-chefe da Casa Civil, deputado estadual Caíto Quintana, que pediu a cessão funcional de Razera para a Secretaria, disse que é o Conselho quem decide pela absolvição. "Ao governador chega o ato consumado."

O ex-secretário de Segurança Pública do Paraná (na época do governo Jaime Lerner), delegado de polícia aposentado e ex-deputado, José Tavares, considerou a situação absurda e disse que o governador não pode dar mau exemplo nem acobertar ilicitudes. "Nunca houve um precedente desse. O Conselho entendeu que o policial deveria ser demitido. O governador Roberto Requião se julga acima do bem e do mal. Com isso, ele desmoraliza o Conselho." José Tavares se disse indignado com o fato. "Mas sabemos que o Razera sempre esteve a serviço do Requião, só não sei fazendo o que. E além de tudo, o fato de ele estar à disposição da Casa Civil é outro absurdo. Há escassez de policiais e o Razera deveria estar na função dele".

O investigador preso foi devolvido pela Casa Civil à Secretaria de Segurança na terça-feira, após ter sido efetuada a sua prisão. Há um protocolo de dezembro de 2005 pedindo que a prorrogação de sua cessão funcional para prestar serviços, neste ano, à assessoria especial da governadoria. Razera usava um cartão com o símbolo do governo e chegou a representar oficialmente o Executivo, segundo texto divulgado no site da multinacional Aker Security.

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De acordo com o Ministério Público (MP), parte da organização que tinha Razera como integrante ainda pode estar atuando. Os promotores e peritos vão agora analisar o material apreendido. Há indícios de envolvimento com questões empresariais, com autoridades e políticos. Segundo o promotor João Mílton Salles, o "Ministério Público não tem bola de cristal para saber o envolvimento do governo".

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Foram presas na "Operação Pátria Nossa" sete pessoas e ainda há mandato de prisão preventiva para outras três. Além de material para fazer grampos telefônicos clandestinos, foram apreendidas grande quantidade de armas e munição. O promotor Walber Alexandre de Souza afirmou que o Ministério Público vai atrás de quem quer que esteja envolvido. "Muitas medidas e ações do MP podem ter sido frustradas devido a essas escutas ilegais." A reportagem tentou ouvir o governador Roberto Requião, mas sua assessoria informou que ele não se manifestaria sobre o caso.